Dia 21 de março de 1989. Esta data nunca será esquecida pelos moradores do Jardim Monte Carmelo, em Guarulhos, e dos bairros vizinhos. Foi neste dia que um avião cargueiro, modelo Boeing 707-300, da extinta empresa Transbrasil, com 26 toneladas de equipamentos eletrônicos, caiu por volta das 12h na região. O acidente deixou 25 pessoas mortas, incluindo a tripulação da aeronave: Dorival Scanavach (copiloto), Giseldo Constantino (engenheiro de voo) e Ronaldo Oliveira (piloto).
Trinta anos depois da tragédia, uma das mais tristes da história da cidade, o GuarulhosWeb visitou o local. As pessoas ainda lembram com detalhes daquela terça-feira de céu azul e de clima tranquilo no bairro guarulhense, que fica a apenas 1 km do Aeroporto Internacional de São Paulo, local que deveria ser o destino final do avião. A tripulação, cansada após um bate-volta entre Guarulhos e Manaus, estava a poucos minutos de encerrar mais um dia de trabalho.
"Tava tudo bem. Tudo tranquilo. Depois ficou tudo ruim. Estávamos nos preparando para almoçar quando ouvimos um barulho. Saímos de casa para ver o que tinha acontecido e sentimos um calor intenso. Não era um calor normal, de um dia quente. Ficou tão quente que as folhas do nosso abacateiro queimaram, mesmo sem o fogo nem passar perto da árvore", recordou a esteticista Marlene Albano, 50, que mora na região há 45 anos e tem um salão na Rua Sandovalina, travessa da Rua São João de Caiuá, uma das mais atingidas pela queda da aeronave. Por causa do acidente, ela perdeu a sua irmã Marta Albano de Souza, que à época tinha 11 anos.
"Ela saiu com a Eliane da Cunha, que estava grávida e teria o bebê dois dias depois. Elas foram fazer uma ligação para saber sobre um exame da Eliane. Era um exame relacionado à gestação. As duas morreram", disse Marlene.
A esteticista afirmou que ainda sente muito pela morte da irmã, a caçula dos quatro filhos do Seu Eduardo de Souza, 77, e da Dona Ivanilda Benedita de Jesus, 71. "Para os meus pais, a morte foi mais complicada ainda. Até hoje é difícil para eles falarem sobre o que aconteceu. Eles já tinham perdido um bebê, por um problema de saúde. A Marta, não. Era uma menina perfeita, que brincava, estudava, fazia curso…", lamentou Marlene, que não guarda absolutamente nenhuma notícia da época do desastre. "Não sei se infelizmente ou felizmente, mas fizemos questão de não manter este tipo de coisa em casa".
Para ela, o fato de o acidente ter ocorrido na hora do almoço foi determinante para que o número de mortos não fosse maior. "Não tinha quase ninguém na rua. As pessoas estavam em casa para comer", pontuou.
Quase vizinha de Marlene, a dona Isabel Almeida Coelho, 72, também viveu intensamente aquele trágico 21 de março de 1989. "Foi uma coisa horrorosa. Ouvi uma explosão. Vi uma fuligem caindo, pessoas queimadas, idosos, jovens… Muito triste. Estava na cozinha com duas crianças", lembrou a senhora, que não contabilizou prejuízos materiais no dia. "Minha comadre morreu um tempo depois. Ela passou mal. Suspeita-se que teve um problema no estômago por ter ingerido querosene no acidente, mas não é certeza", completou.
A imagem da queda do Boeing da Transbrasil foi tão forte para quem viu o caos no Jardim Monte Carmelo, que até uma menina, na ocasião com 4 anos, lembra-se de praticamente tudo o que aconteceu há três décadas. "Tava brincando na casa do meu avô. Não tinha quase nada no bairro. Nem asfalto. Era um barro vermelho. Vi um avião caindo, uma bola de fogo e uma fumaça preta. Pessoal começou a gritar que ia explodir. Chamei a minha mãe, que tava no banheiro. Ela até me xingou (risos). Era um pessoal queimado, ensanguentado", contou a dona de casa Katerine Luzia Machado, hoje com 34 anos.
Dentre as 26 toneladas de equipamentos eletrônicos que estavam no avião cargueiro, havia alguns brinquedos. Katerine admitiu que pegou alguns produtos que se espalharam após o acidente. "Eu peguei umas estrelinhas da Turma da Mônica, fabricadas pela Tectoy, que brilhavam no escuro", recordou.
E hoje?
Trinta anos depois, algumas pessoas do bairro já se acostumaram com os aviões que passam quase "colados" aos imóveis da região. "O ser humano se adapta às situações. Quando o aeroporto foi inaugurado, ninguém dormia por causa do barulho. Hoje já não é mais assim. Nós temos que descansar, dormir para trabalhar no outro dia", disse a esteticista Marlene Albano.
Apesar de falar que está habituada à situação, no fim do ano passado, segundo ela, representantes da Infraero e da Aeronáutica foram à região para alertar que os aviões passam mais baixo do que o recomendado pelo local. "Só que não adiantou nada. Eu tenho a impressão é que eles estão voando mais baixo ainda", afirmou Marlene, que completou: "A gente tem um certo receio porque acidentes aéreos continuam acontecendo por aí. Não foi só aquele em 89", destacou.
Já a dona Isabel Coelho afirmou que não teme um novo desastre. "Não peguei nenhum trauma. Quando é para gente morrer, a gente vai morrer. Não tem jeito. Então não fico pensando nisto", ponderou.
Katerine Machado recordou que, em 2015, a turbina de um avião pegou fogo e todos acharam que haveria uma nova tragédia. "Parece que um pássaro entrou lá. Fez um barulho, a casa tremeu. Pensamos que ia cair", comentou. Além disso, o ruído constante das aeronaves, incomoda o sono de sua família. "Os cargueiros passam de madrugada e fazem um barulho muito alto. A gente levanta assustado", revelou. "Muitas casas do bairro, por causa do tremor, apresentam rachaduras. É difícil", concluiu.