Frances Bean Cobain não tinha completado dois anos de idade quando perdeu o pai, naquele 5 de abril de 1994. O mundo perdia a sua última grande estrela do rock, mas a música de Kurt Cobain, com o Nirvana, ainda pode ser ouvida, mais de duas décadas depois da sua morte.
Frances, contudo, nunca teve a oportunidade de ganhar mais do que aqueles três discos lançados pelo pai e de histórias, vícios e fantasmas relatados por quem conviveu com ele de perto. Era hora de um recomeço. Um novo encontro com a figura humana por trás do mito criado sob a imagem do roqueiro de cabelos loiros na altura dos ombros, olhos azuis, camisa de flanela xadrez e uma guitarra tocada com desleixo, na altura dos joelhos.
O documentário Cobain: Montage of Heck é um descobrimento tanto para a jovem hoje de 22 anos, fruto do relacionamento de Kurt e Courtney Love, quanto para o público. E enquanto a viúva encrenqueira do líder do Nirvana participa do longa apenas como uma das entrevistas – com bastante destaque, é bom frisar -, Frances atuou por trás das câmeras do experiente diretor Brett Morgen, como produtora executiva.
O filme estreou durante o festival de cinema de Sundance, em janeiro deste ano, e foi exibido no festival de Berlim, duas semanas depois.
Chegou a poucas salas de cinema do circuito dos Estados Unidos e Reino Unido, até chegar às telinhas do canal por assinatura HBO, em maio, novamente nos EUA. No Brasil, o filme chegará enfim a algumas salas do País em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Recife e Salvador, a partir do dia 18 (conferir locais e datas no site cobainmovie.com e nos sites dos exibidores Cinemark e UCI).
Trata-se do primeiro documentário sobre Kurt Cobain autorizado pela família. E, por isso mesmo, vai fundo na história do músico antes mesmo que ele se descobrisse como um. Mesmo assim, não há nada extremamente chapa-branca na trajetória contada na telona. O uso e abuso de drogas como heroína são contrastados com cenas carregadas de emoção, principalmente após o nascimento de Frances, registradas de forma amadora por Courtney.
Não se busca justificar qualquer lado da complexa personalidade de Kurt, mas, de forma quase professoral, recria o homem que formou o mito. Aquele sujeito que arrebanhou uma legião de jovens em torno do tipo de música depois classificado como grunge era uma criança hiperativa, embora “muito doce”, como conta a mãe, em certo momento. Logo nos primeiros anos de vida, Kurt foi obrigado pelos pais a tomar Ritalina, um medicamento adotado para o tratamento de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade – e também usada como droga, atualmente.
A adolescência de Kurt foi ainda mais problemática, com a separação dos pais e um buraco negro que nascia em seu peito. Ele se queixava de dores crônicas no estômago, fumava maconha quando podia, perdeu a luta contra a heroína.
O grande achado de Montage of Heck foi o descobrimento de caixas e mais caxias contendo gravações de voz, diários e um pequeno acervo particular de Kurt. De objetos mais fúteis, como uma lancheira da série infantil H.R. Pufnstuf a um boneco do personagem Freddy Kruger, a horas de devaneios musicais no gravador. É Kurt Cobain de verdade, não em um depoimento.
Kurt conta naquelas gravações que tentou o suicídio ainda na adolescência. Deitou-se sobre o trilho de trem e esperou. No episódio, só não perdeu a vida porque o veículo trocou de trilho. Acompanhamos as tediosas tardes durante o ensino médio, entre um baseado e outro debaixo da ponte da cidade de Aberdeen, em Seattle. É um período antes da música entrar efetivamente na vida dele. Depois disso, as caminhadas sem rumo são trocadas por horas a fio em desenhos, gravações de trechos ao violão. O Nirvana, no filme, não é prioridade. É Kurt Cobain fora de lá o que interessa. O homem por trás do mito – o pai de Frances Bean Cobain.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.