A Transparência Internacional afirmou que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, ameaça gravemente a autonomia de órgãos de investigação. Na quinta, 9, Toffoli mandou as forças-tarefa da Lava Jato compartilharem todas as bases de dados da operação com o procurador-geral da República, Augusto Aras.
A decisão foi tomada após a PGR entrar com reclamação na Corte contra os procuradores, que se negaram a enviar os documentos e estariam investigando autoridades com prerrogativa de foro privilegiado, como os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Em nota, a Transparência Internacional afirma que a justificativa apresentada pela PGR deveria motiva investigação interna na Procuradoria. "Jamais a justificativa deveria ser utilizada para uma devassa autoritária conduzida pelo chefe da instituição – agravada pelo fato de ser respaldada pela autoridade máxima do tribunal constitucional brasileiro", afirmou.
A entidade afirma que a decisão de Toffoli reitera um histórico de resoluções monocráticas, amplamente questionáveis, com consequências sistêmicas e deletérias ao combate à corrupção no País. São listadas as liminares que requisitou amplo acesso a dados de autoridades fiscais da Receita e a paralisação do caso Queiroz quando o presidente do Supremo suspendeu todos os processos que usavam relatórios do Coaf em investigações.
A disputa pelos dados da Lava Jato começou em maio, quando Aras enviou ofício às forças-tarefa no Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro solicitando cópia de dados eleitorais, de câmbio, de movimentação internacional, além de relatórios de inteligência financeira, declarações de impostos de renda e base consolidadas de informações. O pedido também engloba dados recebidos em colaborações ou fornecidos por outros órgãos à força-tarefa e base de evidências, como mídias coletadas em apreensões e quebras telemáticas.
As informações foram negadas pelos procuradores, que alegaram necessidade de apresentação de justificativa clara sobre o motivo do pedido e uso dos dados. A crise se intensificou quando a subprocuradoria Lindôra Araújo, braço-direito de Aras, foi até a sede do MPF em ação classificada pela Lava Jato como diligência. A PGR nega e diz que se tratou de visita de trabalho. Quatro integrantes do grupo de trabalho da operação na Procuradoria debandaram após o caso.
A PGR levou o caso ao Supremo ao tomar conhecimento que a Lava Jato teria investigado Maia e Alcolumbre, que detém foro privilegiado. O caso foi revelado pelo portal Poder360 a partir de planilha elaborada pela força-tarefa de Curitiba em uma denúncia sobre doações ilegais de campanha. Maia aparece no documento como Rodrigo Felinto, um dos seus sobrenomes, e Alcolumbre é listado como Davi Samuel.
O vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros afirmou ao Supremo que a ação da Lava Jato tem graves consequências externas à instituição do Ministério Público Federal e decorrem da resistência ao compartilhamento, ao intercâmbio e à supervisão das informações que são retidas em bases compartimentadas e estanques, invisíveis ao conjunto do Ministério Público.
Toffoli concordou com a reclamação, destacando que os procuradores cometeram transgressão ao negar acesso do PGR às bases de dados da operação. "A direção única pertence ao procurador-geral, que hierarquicamente, detém competência administrativa para requisitar o intercâmbio institucional de informações, para bem e fielmente cumprir suas atribuições finalísticas", disse o ministro.
A Lava Jato Curitiba informou por nota que irá entregar os dados da operação, mas criticou a decisão de Toffoli ao afirmar que ela partiu de um pressuposto falso. "Inexiste qualquer investigação sobre agentes públicos com foro privilegiado", afirma.
<b>Leia a íntegra da nota da Transparência Internacional:
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<i>É extremamente grave e preocupante a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de determinar o compartilhamento imediato e indiscriminado das bases de dados, inclusive as sigilosas, das forças-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras.
A justificativa dada ao pedido do PGR para este acesso irrestrito, de que existem indícios de que a força-tarefa de Curitiba tenha investigado autoridades com foro privilegiado, deveria fundamentar pedido de apuração através das vias correcionais regulares do Ministério Público Federal (MPF). Jamais a justificativa deveria ser utilizada para uma devassa autoritária conduzida pelo chefe da instituição – agravada pelo fato de ser respaldada pela autoridade máxima do tribunal constitucional brasileiro.
A recente renúncia coletiva dos procuradores do grupo de trabalho da Lava Jato em Brasília, em protesto a condutas do Procurador-Geral da República, soou um grave alerta para ameaças à Operação Lava Jato e à própria instituição do MPF no cumprimento de seu papel no combate à corrupção – principalmente à grande corrupção perpetrada por poderosos. Os atos de Augusto Aras a cada dia confirmam a consistência desse alerta e a gravidade dos retrocessos institucionais.
A decisão de ontem do ministro Dias Toffoli reitera um histórico de resoluções monocráticas, amplamente questionáveis, com consequências sistêmicas e deletérias ao combate à corrupção no país. Em 2019, decisão de Toffoli de requisitar acesso amplo e indiscriminado a dados de auditorias fiscais da Receita Federal e relatórios de inteligência financeira do COAF, envolvendo mais de 600 mil indivíduos e empresas, causou espanto e críticas generalizadas. Outra decisão, ainda mais grave, em resposta ao recurso da defesa do senador Flávio Bolsonaro, praticamente paralisou as atividades do COAF e quase mil investigações de lavagem de dinheiro e outros crimes graves, em todo o país, por metade do ano. Esta última decisão provocou inclusive reações de organismos internacionais, como uma visita de alto nível da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ao país, frente ao descumprimento de obrigações legais do Brasil, como signatário de convenções contra a corrupção, sobre o crime organizado e o terrorismo internacional.
Os crescentes retrocessos institucionais na luta contra a corrupção inserem-se em um quadro geral, ainda mais amplo e grave, de degradação democrática no Brasil. A sociedade brasileira deve defender com vigor suas notáveis conquistas na luta contra a corrupção, que se alcançaram pelo progresso de seu estado democrático de direito. A comunidade internacional deve estar atenta às graves consequências externas dos retrocessos no Brasil e cobrar as autoridades nacionais pelo cumprimento de suas obrigações.
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