Estadão

Trégua de Putin começa com desconfiança e bombardeios em cidades ucranianas

O cessar-fogo unilateral decretado pelo presidente russo, Vladimir Putin, na Ucrânia, para a comemoração do Natal da Igreja Ortodoxa nos dois lados da fronteira começou sob desconfiança da Ucrânia e de seus aliados ocidentais às 6h desta sexta-feira, 6, pelo horário local. De acordo com autoridades ucranianas e jornalistas da imprensa internacional no país, bombardeios de artilharia continuavam na manhã desta sexta em ao menos duas cidades da Ucrânia. A Rússia nega ter atacado posições rivais.

A trégua foi anunciada por Putin na quinta-feira, 5, após um pedido do patriarca da Igreja Ortodoxa russa, Kirill, de que os fiéis pudessem frequentar as missas da véspera e do dia do Natal, segundo a tradição ortodoxa, comemorados em 6 e 7 de janeiro. Pela determinação do presidente russo, os combates ficariam suspensos até às 18h do sábado, dia 7.

No entanto, disparos foram ouvidos em ambos os lados do front em Bakhmut, epicentro dos combates no leste da Ucrânia, de acordo com jornalistas da agência de notícias <i>France-Presse</i>. A intensidade, segundo eles, foi menor do que nos dias anteriores. Autoridades ucranianas também reportaram ataques russos em Kramatorsk, após o início do cessar-fogo.

Em contrapartida, o Exército russo garantiu que está respeitando a trégua unilateral, mas acusou a Ucrânia de continuar os bombardeios. "Apesar do fato de as tropas russas respeitarem o cessar-fogo (…) o regime de Kiev continuou bombardeando as cidades e posições russas", afirmou o Ministério da Defesa russo em seu relatório diário.

O anúncio de Putin foi recebido com desconfiança por autoridades da Ucrânia, da Alemanha e dos Estados Unidos, que acusaram a Rússia de usar a trégua de Natal como pretexto para reagrupar tropas ou para por em prática algum estratagema tático para mover mais tropas e equipamentos para o campo de batalha.

Em um discurso na noite de quinta, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, disse que a verdadeira intenção de Putin seria arranjar uma desculpa para conter o avanço das tropas de Kiev na região do Donbas e levar "equipamentos, munições e aproximar os homens das nossas posições". Segundo Zelenski, um verdadeiro cessar-fogo só ocorrerá quando as tropas russas se retirarem do país.

"Agora eles querem usar o Natal como disfarce para… parar o avanço de nossos homens em Donbas e trazer equipamentos, munições e homens mobilizados para mais perto de nossas posições", disse ele, referindo-se a uma região no leste da Ucrânia. "O que isso trará? Apenas mais um aumento no número de mortos."

Nos EUA, Joe Biden reverberou a cautela de Zelenski, dizendo que era "interessante" que Putin estivesse pronto para bombardear hospitais, creches e igrejas no Natal e no Ano Novo. O porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, disse que Washington tinha "pouca fé nas intenções por trás deste anúncio", acrescentando que os funcionários do Kremlin "não nos deram nenhuma razão para aceitar qualquer coisa que eles oferecem". A ordem de trégua parece ser um estratagema "para descansar, reabilitar, reagrupar e, por fim, voltar a atacar", disse ele.

O Instituto para o Estudo da Guerra concordou que a trégua poderia ser um estratagema que permitisse à Rússia se reagrupar. "Tal pausa beneficiaria desproporcionalmente as tropas russas e começaria a privar a Ucrânia da iniciativa", disse o think tank na quinta-feira. "Putin não pode esperar razoavelmente que a Ucrânia cumpra os termos deste cessar-fogo declarado repentinamente e pode ter pedido o cessar-fogo para enquadrar a Ucrânia como inflexível e sem vontade de tomar as medidas necessárias para as negociações".

Washington diz que está preparado para continuar apoiando o esforço de guerra da Ucrânia. Nesta sexta-feira, os EUA devem anunciar quase US$ 3 bilhões em ajuda militar à Ucrânia – um novo pacote massivo que era esperado pela primeira vez incluindo várias dezenas de veículos de combate Bradley.

O mal-estar entre os lados em guerra não dava sinais de diminuir, apesar do Natal como pano de fundo. O ex-presidente russo Dmitri Medvedev, vice-chefe do Conselho de Segurança da Rússia, disse que aqueles que rejeitaram a proposta de Putin para uma trégua de Natal eram "palhaços" e "porcos". "A mão da misericórdia cristã foi estendida aos ucranianos", disse ele em um post no Telegram. "Mas os porcos não têm fé nem senso inato de gratidão", finalizou. (Com agências internacionais).

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