Estadão

True crime, sucesso de audiência e bom negócio para produtores

O interesse por documentários, reportagens e séries que abordam crimes reais não é novidade, mas se tornou um fenômeno que não para de crescer. Chamado de true crime, o gênero se tornou um ótimo negócio para realizadores e se espalha por todos os serviços de streaming.

Isabella: O Caso Nardoni, da Netflix, estreou há pouco mais de três semanas e chegou a ficar em primeiro lugar entre os longas de língua não inglesa mais vistos da plataforma. Outro sucesso recente do true crime foi Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez, da HBO Max. Apenas um mês após a estreia, no ano passado, a série se tornou a produção original mais vista do serviço de streaming no Brasil.

Em comum, os documentários baseados nos assassinatos de Isabella Nardoni e Daniella Perez exploram crimes que geraram ampla comoção nacional. E é essa a fórmula do sucesso do gênero: o público e a publicidade estão prontos antes mesmo das gravações, como explica o professor Noel Carvalho, do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Os filmes reatualizam essa espetacularização, como se fosse um bis para um público que já sabe o que verá."

Com o lançamento de Isabella, porém, um novo elemento foi discutido: as produções precisam ter novidades sobre o caso? Com os réus já julgados, o longa da Netflix trouxe apenas novas discussões sobre o tratamento do crime pela mídia e a vida de Anna Carolina Jatobá, que foi condenada a mais de 26 anos de prisão e está em liberdade desde junho.

Para o pesquisador André Vilela Komatsu, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, três elementos fidelizam o público: curiosidade, busca de explicações e amplificação do caso na mídia.

APELO. O interesse por casos reais tem a ver com um sentimento instintivo, segundo a revista científica da BBC, ScienceFocus. Esse conceito, defendido por psicólogos evolucionistas, diz que histórias sobre assassinatos e crimes graves acompanham a humanidade desde quando éramos caçadores-coletores. Por isso, segundo a revista, é instintiva a obsessão por descobrir o motivo dos crimes e, assim, buscar proteção.

Mais do que isso: um estudo da Universidade de Illinois mostrou que mulheres têm mais interesse por produções de true crime do que homens, principalmente quando as vítimas são do sexo feminino. Além dos motivos citados, a pesquisa apontou que esse fator está ligado a uma busca por técnicas de defesa.

O cuidado com a ética precisa ser redobrado ao produzir documentários do gênero. O professor afirma que o true crime pode ser antiético a depender do tratamento das pessoas envolvidas. Desumanizar essas pessoas, para ele, não é apenas desrespeito com os envolvidos, mas também com o público, "fidelizado pelo lado emocional". André explica que o tratamento respeitoso não é só para vítimas ou familiares: também cabe aos autores dos crimes. Isso evita a banalização da violência e permite explorar questões sociais mais amplas, como sistema jurídico, desigualdade e problemas de saúde mental.

Nesse sentido, para Noel, o recurso de dramatizar os casos em produções, como no caso da volta do Linha Direta na TV Globo, pode não ser, necessariamente, um problema – desde que isso seja feito com "qualidade e complexidade". Reportagens de TV costumam usar o mesmo recurso, mas para gerar "indignação moral". "Diferentemente das reportagens da televisão, o documentário tem tempo e distância para elaborar uma representação mais apurada e isenta", admite o professor.

ESTEREÓTIPOS. Apesar de não trazer grandes atualizações sobre o caso em si, Isabella: O Caso Nardoni discute o estereótipo entregue pela TV a Anna Carolina Jatobá, madrasta de Isabella. Tida como "arrogante e fria" – defeitos comumente associados a madrastas -, o longa procura se afastar de uma visão machista e humanizar Anna Carolina, como aponta Noel. "O documentário mostra uma mulher acuada por um homem machista e violento. Ela sofre de depressão pós-parto e vive sob a tutela do sogro."

Ele chama a atenção ainda para a série documental Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime, da Netflix, que trouxe entrevistas com Elize, condenada por ter assassinado e esquartejado o marido, Marcos Matsunaga.

Vista como uma "mulher fria, loira e cruel", o documentário também revelou abusos que Elize sofria desde a infância. "Esses filmes são interessantes por abordarem os crimes, mas sem animalizar os seus praticantes. Nem exploram a moralidade e os instintos baixos dos espectadores", diz.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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