Depois de uma campanha marcada por declarações islamofóbicas, o presidente Donald Trump adotou um tom conciliador em relação à religião e conclamou líderes de 55 países de maioria muçulmana a expulsar terroristas e extremistas de suas mesquitas e comunidades, em um discurso desprovido de menções a direitos humanos ou defesa de princípios democráticos.
“Nós não estamos aqui para fazer sermões”, afirmou na Arábia Saudita, o local de nascimento do islamismo que escolheu como primeiro destino de sua estreia como presidente na arena internacional. “Nós não estamos aqui para dizer para outras pessoas como viver, o que fazer, o que ser ou como praticar sua religião. Em vez disso, nós estamos aqui para oferecer parceria baseada em nossos interesses e valores compartilhados.”
Antes de ser eleito, Trump disse que o Islã “odeia” os EUA e defendeu a suspensão da entrada de todos os seguidores da religião no país. Um de seus primeiros atos como presidente – suspenso pelo Judiciário – foi barrar o ingresso nos Estados Unidos de cidadãos de seis países de maioria muçulmana.
Em seus discursos de campanha, ele criticava a adversária, Hillary Clinton, e o ex-presidente Barack Obama por não usarem a expressão “terrorismo islâmico radical”. Na Arábia Saudita, Trump falou em “extremismo islâmico” e “terror islâmico”, mas em nenhum momento lançou mão da fórmula que marcava seus pronunciamentos.
“Essa não é uma batalha entre diferentes crenças, diferentes seitas ou diferentes civilizações”, observou o presidente, abandonando a visão de “choque de civilizações” entre o Ocidente e o mundo muçulmano que permeou sua campanha e é defendida por seu estrategista chefe, Steve Bannon. “Essa é uma batalha entre criminosos bárbaros que tentam destruir a vida humana e pessoas decentes – tudo em nome da religião – e pessoas que querem proteger a vida e querem proteger sua religião. Essa é uma batalha entre o bem e o mal”.
Trump fez um apelo direto contra leituras fundamentalistas do Corão e lembrou que os muçulmanos são as principais vítimas do extremismo. “Líderes religiosos devem deixar isso absolutamente claro: o barbarismo não vai levar a nenhuma glória, a reverência ao mau não trará dignidade. Se você escolher o caminho do terror, sua vida será vazia, sua vida será breve e sua alma será condenada.”
Frustrados com a simpatia de Obama à Primavera Árabe, em 2011, e seus apelos em favor de direitos humanos e democracia, os líderes reunidos em Riyad receberam bem o discurso de Trump. Sunitas, muitos deles dirigem governos autocráticas em sociedades nas quais as mulheres são excluídas dos processos decisórios.
No dia anterior, os iranianos celebraram nas ruas a reeleição de Hasan Rouhani, em um processo que está longe de ser livre, mas que é mais próximo da democracia que o sistema existente nos países de muitos dos interlocutores de Trump. Xiitas e adversários da Arábia Saudita e dos EUA, os iranianos estavam ausentes da cúpula em Riyad.
“A postura mais agressiva do Irã unificou o mundo árabe”, disse um assessor direto do presidente depois do discurso. “Eles estão trabalhando juntos e também colaborando de maneira incrivelmente positiva com Israel. Escutei isso reiteradamente em todos os encontros bilaterais que tivemos.”
Essa mesma fonte observou que o presidente fez uma defesa dos direitos das mulheres no discurso e tratou da questão de direitos humanos em reuniões privadas. “Há várias abordagens diferentes. Essa abordagem é levantar essas questões de maneira discreta, mas séria, e esperar resultados.”
Trump e a indústria de defesa dos EUA não precisaram esperar para obter resultados concretos da visita: os dois países assinaram acordo para venda imediata de US$ 110 bilhões em armamentos, que poderá atingir o valor de US$ 350 bilhões ao longo de dez anos.
O mesmo assessor de Trump defendeu o engajamento do presidente no Oriente Médio, depois de uma campanha que muitos interpretaram como isolacionista. “América em primeiro lugar não significa América sozinha. Nós temos que trabalhar com nossos aliados. Não há aliados perfeitos, mas nós temos um clara ameaça comum”, afirmou, referindo-se ao terrorismo.