Terra, fogo, água. Teatro e música. É com essa combinação que a trupe catalã Fura dels Baus sobe, a partir desta quarta-feira, 27, no palco do Teatro Municipal, em São Paulo. Com a participação da Orquestra Sinfônica Municipal, o grupo vai apresentar o espetáculo El Fuego y la Palavra, que narra a história de uma mulher que se liberta e encontra a si mesma a partir da música do compositor espanhol Manuel De Falla.
Criada em 1979, a Fura dels Baus trabalha com o conceito de um teatro físico, que dialoga com a tecnologia na busca pelo distanciamento de narrativas lineares. Com o tempo, passou a manter uma relação próxima com o repertório musical, em especial a ópera. Em 1999, o grupo criou uma concepção cênica para A Danação de Fausto, de Berlioz; já em 2007, foi responsável por uma nova versão da tetralogia O Anel do Nibelungo, apresentada em Valência e documentada em DVD.
Em El Fuego y la Palavra, no entanto, a base musical não vem da ópera, mas, sim, da música sinfônica de Manuel de Falla. São peças como El Amor Brujo e La Vida Breve, que serão interpretadas, além da orquestra, pela cantaora Esperanza Fernándes e pelo violonista flamenco Miguel Ángel Cortés. Em que sentido o trabalho com a música sinfônica difere do trabalho com a ópera, em que há um enredo preestabelecido? “Na ópera, na maioria das vezes há um libreto muito específico, no qual uma história melodramática é representada por um texto abundante, dividido entre recitativos, árias e duetos que, na minha opinião, adquirem um protagonismo muitas vezes excessivo, que condiciona o resultado final”, explica o diretor do espetáculo, e um dos fundadores da companhia, Carlus Padrissa. “Já nas obras sinfônicas, isso não acontece e a música da orquestra tem protagonismo absoluto.”
Para o diretor, em “El Amor Brujo, palavra e música estão em perfeita sinfonia”. “Para a Fura, sempre foi importante buscar novos caminhos. Unir a música flamenca de De Falla com o fogo e com a nossa linguagem baseada nos elementos e no teatro físico nos obriga a lidar com a dificuldade que significa fazer com que todos esses elementos se integrem com a história que queremos contar”, afirma.
E essa história tem como ponto de partida uma discussão a respeito da condição da mulher. “No ano passado, em Granada, antes da estreia do espetáculo, eu pensava que nossa versão de Amor Brujo era, como disse De Falla antes da estreia, há cem anos, uma obra rara, nova, da qual desconhecemos os efeitos que possa produzir no público, mas os sentimos. Maria de la O. escreveu esta história trágica de Candelas, a protagonista que está apagada ou possuída por seu noivo que a maltrata. Mas ela consegue, após uma enorme luta interior, liberar-se de seus fantasmas e converter-se, como seu nome indica, em uma mulher que volta a brilhar, radiante de luz e segura de si mesma. Acredito que, por meio da soma de ingredientes, queremos atingir algo que seja único. E aos elementos da terra, ar, fogo e água é preciso acrescentar os filmes experimentais de Jose Val del Omar, que foi um visionário do cinema e utilizou a música de De Falla. Suas imagens são muito impactantes. E, no que diz respeito ao título Fogo e Palavra, ele se deve ao fato de que, para nós, a verdadeira bruxaria é a magia da união do fogo com a palavra. O fogo é a paixão e a palavra é a razão.”
Universal
Manuel De Falla viveu entre 1876 e 1946 e foi testemunha, assim como protagonista, de um momento de transição na história da música. Entre os muitos aspectos desse período, havia uma tendência ao nacionalismo – ou a tentativa de combinar o folclore com a tradição (e o desenvolvimento) da música dita clássica ou erudita. “Ele é o nome mais universal da música espanhola”, escreve seu biógrafo José Luis García del Busto. “O estudo permitiu a ele impregnar-se das essências do folclore e da velha tradição espanhola, mas elas se misturem à capacidade de escrever música de qualidade. Falla, de certa forma, uniu duas condições necessárias para fazer de um artista universal: a autenticidade e a qualidade.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.