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Tubarão e Ferroviária fazem neste domingo o duelo das gestões na Série D

Clube Atlético Tubarão SPE Ltda. x Ferroviária Futebol S/A. Ao lado dos nomes, siglas estranhas ao mundo do futebol, não é mesmo? Pois o jogo deste domingo, às 16h, no Estádio Domingos Silveira Gonzalez, em Santa Catarina, pela terceira rodada do Campeonato Brasileiro da Série D, pode mesmo ser considerado um duelo extracampo, uma espécie de choque de gestões. De um lado, aquele que se denomina o primeiro clube startup do Brasil. Do outro, uma tradicional camisa do interior paulista que só sobreviveu após ser transformada em empresa.

Para um esporte no qual o amadorismo ainda encontra espaço graças a administrações pautadas mais na paixão do que na razão, observar como os desafiantes desta tarde entendem e tocam o futebol foge do lugar comum. Quando explicam seu trabalho, os diretores das duas equipes parecem estar falando sobre tudo, menos futebol: mercado financeiro, tecnologia, centros de pesquisa, marketing estratégico. Ledo engano. Cada detalhe do que pensam tem como objetivo final o desenvolvimento das equipes.

No caso do Tubarão, por exemplo, anfitrião e líder do Grupo A16, com duas vitórias e 100% de aproveitamento, o projeto começou em 2015, uma década após a fundação do clube associativo. A empresa K2 Soccer S/A, criada em 2013 com o objetivo de investir no mercado futebolístico, transformou a associação em uma SPE (Sociedade de Propósito Específico).

“Mas que diabos é uma SPE?”, você deve estar se perguntando. Pegando a definição do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), SPE é “um modelo de organização empresarial pelo qual se constitui uma nova empresa, limitada ou sociedade anônima, com um objetivo específico, ou seja, cuja atividade é bastante restrita, podendo em alguns casos ter prazo de existência determinado”. Trocando em miúdos: a K2 Soccer investe, o Tubarão gera os resultados.

“Não é uma parceria. Criou-se um clube-empresa que tem duração de 20 anos renováveis por mais 20. Ou seja, são 40 anos de existência garantida. A K2 ficou com 99% das ações. Dentro dessa divisão, todos os registros federativos, tudo que envolve a parte esportiva, é da empresa. Não há Conselho Deliberativo, Conselho Gestor. Nenhum diretor é político, todos são contratados”, explica Júnior Chávare, diretor de Operações e Novos Negócios da K2 Soccer.

O clube mesmo, o antigo Tubarão, que ficou com 1% da participação acionária, tem de cuidar do espaço físico, da manutenção do estádio. E possui participação na renda, nos patrocínios.

Mas qual o diferencial dos catarinenses em relação a tantos outros clubes-empresa que se formaram no País a partir dos anos 1990? “A maior parte dos clubes-empresa mantiveram o lastro com o clube associativo. Vejo poucos operando efetivamente como empresas”, diz Chávare.

CLUBE STARTUP – O jeitão moderno do Tubarão se explica pela parceria feita com a Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina). O clube-empresa foi incubado dentro do campus e incentiva os universitários a desenvolverem projetos das mais variadas áreas – medicina, nutrição, design, informática – que o beneficiem de alguma forma.

“Temos uma relação direta com a reitoria e todos os coordenadores de cursos. São 21 cursos que, de maneira direta ou indireta, têm a ver com futebol. Já há um convênio de estágio com a Unisul. Nossas nutricionistas eram alunas de lá. A ideia, a médio prazo, é desenvolver laboratórios de performance. Nos cursos de pós-graduação, incentivaremos e premiaremos o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) que seja voltado para soluções ao Tubarão”, explica Chávare.

A meta de tudo isso, no fim das contas, é tornar a equipe uma das 40 maiores do Brasil até 2025. “A gente tem obsessão pela qualidade. A vala comum do futebol brasileiro não nos interessa”, disse Júnior Chávare.

EMPRESA SIM, MAS DA CIDADE – A história da Ferroviária é bem diferente. Tradicional equipe do interior de São Paulo fundada nos anos 50, a Ferrinha, como é carinhosamente conhecida, estava afundada em dívidas no início dos anos 2000, disputando a última divisão do Campeonato Paulista e com sua casa, a Fonte Luminosa, indo a leilão. Foi quando um pool de empresários de Araraquara decidiu socorrer o clube e formou a empresa S/A.

“O modelo de clube associativo não se sustentava mais. O time ficou 19 anos fora da elite (estadual). Era preciso se organizar como empresa. Hoje nosso modelo de gestão foca o profissionalismo, temos métricas de gestão que visam a eficiência de todos os setores”, garante o diretor-executivo da Ferroviária, Pedro Martins.

Ele ressalta que, diferentemente de empresas forasteiras vindas de outras cidades para assumir um clube à beira do colapso, o movimento por lá se deu de dentro para fora, com apoio de investidores locais, como Cutrale e Lupo, e do setor público – é a Prefeitura quem cede a Arena da Fonte e o CT do Pinheirinho para a equipe utilizar.

“É diferente de um outsider que cria um processo do zero. Hoje o clube não tem mais função nenhuma, não existe um clube associativo que cuida de piscina, vôlei, basquete. A Ferroviária é somente a Ferroviária S/A. O clube em si existe dentro da empresa, mas não tem mais participação”, diz o dirigente de 29 anos, nascido em Araraquara e formado em Administração.

Enquanto no Tubarão a maior parte da grana vem da K2 Soccer, na Ferrinha são mais de 20 investidores auxiliando diretamente, com dinheiro, ou indiretamente, por meio de permutas.

“Temos uma linha metodológica de ser um clube que quer fomentar a formação de jogadores. É um clube com viés formador. E faz muita pesquisa, analisa o que está acontecendo nas melhores práticas, como metodologias de treino, pesquisas de desempenho, análise de mercado”, informa Martins. Além do time profissional, a S/A mantém todas as categorias de base – sub-15, sub-17 e sub-20 -, além de uma equipe feminina.

“O diferencial nosso é a representatividade. Quem não deixou a Ferroviária acabar foi a sua população, suas empresas, o poder público”, diz Martins.

CLUBES AINDA SÃO DEFICITÁRIOS – Apesar da tentativa de gerenciar o futebol de maneiras alternativas, tanto Tubarão quanto Ferroviária ainda são clubes que se encontram no vermelho, ou seja, ao fim do ano, o balanço mostra que se gastou mais do que se arrecadou.

Ambos demandam investimentos na casa dos R$ 6 milhões/ano. Em Santa Catarina, a expectativa é de que as contas se equilibrem até 2021. Para isso, será primordial participar de competições que gerem pagamento de cota por verba de televisionamento, como a Copa do Brasil, que o time disputou neste ano e para a qual já está garantido na próxima temporada. Na Ferroviária, por exemplo, só a cota de TV deste ano já trouxe cerca de R$ 3,5 milhões de alívio ao caixa.

VETERANO IMPRESSIONADO – Com mais de 15 clubes no currículo e aos 42 anos de idade, o veterano Magno Alves acaba de ser contratado pelo Tubarão para disputar a Série D. Desde que chegou, já disputou duas partidas e marcou um gol. Diante de um cenário tão diferente, com salários pagos em dia e estrutura de fazer inveja em muita equipe de divisão superior, o “Magnata”, como é apelidado, se mostra surpreso a cada dia na nova casa. Em entrevista ao Estado, ele fala dessas suas primeiras impressões. Confira:

O que você enxerga de diferente num projeto como este, do Tubarão?

Primeiramente, a seriedade que exige o presidente, pelo projeto que ele tem, pela ambição. Um clube que aparentemente não é tão conhecido, mas aí você vê no estadual, chegar num terceiro lugar. Depois, na Copa do Brasil, um jogo emblemático contra o Atlético-PR, da forma como foi, 5 a 4… Nota da reportagem: o Tubarão foi eliminado da competição em partida emocionante com quatro viradas, pela segunda fase. Foi em jogo único na Arena da Baixada, e todos os gols saíram no segundo tempo. Fora as informações que você vai pegando com outras pessoas, empresários, vendo que a proposta do clube é séria, há uma estrutura aqui excelente para se trabalhar.

À essa altura, um projeto como esse lhe seduz mais do que outro em um clube de divisão superior, mas que você já sabe de antemão ter fama de não pagar em dia, dar dor de cabeça na hora do desligamento?

Ah, alguns clubes de Série B e C, sem desmerecer essas divisões, não têm a estrutura que esse time tem, nem fariam da forma que eles estão fazendo de pagar em dia, ter rigor com datas. E para mim é mais um objetivo. Você pode estar num clube em outra série, aí chega com 42 anos e todos acham que você está em fim de carreira, tem de correr atrás, voltar no tempo e mostrar tudo de novo. Aqui fui muito bem recebido.

E pretende ficar por aí, levou família? Quais seus planos?

Ah, precisa ir com calma. Não sei se será algo apenas passageiro. A gente não sabe como será, vamos fazer um balanço, ver como será essa disputa da Série D.

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