O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou nesta quarta-feira, 18, que Finlândia e Suécia não deve esperar que a Turquia aprove seu pedido de adesão à Otan sem a devolução de "terroristas" curdos que teriam se refugiado no país, desaconselhando a viagem de delegações suecas e finlandesas a Ancara.
É a primeira vez que Erdogan fala abertamente em vetar a entrada dos países nórdicos na aliança militar após a formalização do pedido de adesão feito por Estocolmo e Helsinque nesta quarta.
"Nós temos uma sensibilidade quanto a proteger nossas fronteiras de ataques de organizações terroristas", disse Erdogan a parlamentares de seu partido AK no Parlamento turco. E completou: "a expansão da Otan só é significativa para nós na proporção do respeito que será demonstrado às nossas sensibilidades".
O governo turco acusa tanto a Suécia quanto a Finlândia de abrigarem pessoas que dizem estar ligadas a grupos que considera terroristas, como o grupo militante do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e seguidores de Fethullah Gulen – apontado como principal responsável por uma tentativa de golpe de 2016.
Ao Parlamento, Erdogan se referiu diretamente ao que seria o acobertamento dos "terroristas" pelos países, em um momento em que o tema repercute em solo turco. Na segunda-feira, a emissora estatal TRT Haber informou que os países nórdicos não teriam aprovado a repatriação de 33 pessoas solicitadas por Ancara.
"Então você não vai nos devolver os terroristas, mas você nos pede a adesão à Otan? A Otan é uma entidade de segurança, uma organização de segurança. Portanto, não podemos dizer sim a essa organização de segurança ser privada de segurança", disse Erdogan ao Parlamento.
O presidente turco também disse que não aceitaria o alinhamento com países que impuseram sanções a Ancara – Suécia e a Finlândia proibiram as exportações de armas para a Turquia após a incursão do país na Síria contra o YPG em 2019.
O processo de adesão de Finlândia e Suécia à Otan parecia uma mera formalidade, sendo amplamente defendido publicamente pelo alto escalão da aliança militar, até o descompasso com o posicionamento turco. Uma vez que todos os Estados-membros do bloco precisam aprovar a solicitação, um veto da Turquia pode prolongar ou até mesmo impedir a entrada dos países.
As divergências turcas ao restante do bloco também foram levantadas por Erdogan no Parlamento. O presidente acusou os aliados de apoiar terroristas, citando entregas de armas para o YPG – principal fonte de desacordo entre Ancara e Washington -, bem como outros países ocidentais, e pediu aos Estados-membros que apoiem operações "legítimas" e "morais" da Turquia na Síria, incluindo a zona segura.
Em 2019, Ancara recebeu pouco apoio internacional para seus planos de construir uma zona segura no norte da Síria, incluindo o assentamento de 1 milhão de sírios em parte do nordeste da Síria que a Turquia e seus aliados rebeldes sírios capturaram do YPG.
A cúpula da Otan e os EUA têm afirmado reiteradamente que estão confiantes de que a Turquia não impedirá a adesão dos dois países nórdicos. No sábado passado, um porta-voz do presidente turco havia declarado que o país não fechou a porta para a entrada às nações nórdicas, mas queria negociações e uma repressão ao que vê como atividades terroristas.
A admissão da Finlândia e da Suécia na aliança requer o apoio unânime de todos os 30 Estados-membros da Otan, então a Turquia pode se opor e impedir que as adesões aconteçam. Diplomatas disseram, na semana passada, que Erdogan estaria sob pressão para ceder, já que a Finlândia e a Suécia fortaleceriam muito a Otan no Mar Báltico.
Os líderes da Otan inicialmente esperavam que a objeção turca não causasse um grande atraso nos planos dos países nórdicos, mas agora a posição de Erdogan parece um sério obstáculo.
Em entrevista ao <b>Estadão</b>, o professor de Relações Internacionais da ESPM, Gunther Rudzit, mencionou outros exemplos de bloqueios à entrada de países na aliança e afirmou que a única forma de garantir a adesão é conquistar o apoio turco por meio de negociações.
"Temos exemplos como o da Macedônia do Norte, que entrou na Otan, em março de 2020, depois de anos tendo sua candidatura bloqueada pela Grécia (…). A própria Turquia já bloqueou a entrada do Chipre. A Turquia tem esse poder, e o presidente vai jogar com isso para ganhar alguns benefícios da Europa e dos EUA", explicou o professor.
"Ele (Erdogan) não está fazendo isso só por causa dos curdos ou porque a Rússia é um grande parceiro comercial. Ele está vendo um momento estratégico para conseguir benefícios, em um momento em que a Europa e os Estados Unidos estão apertando a Turquia por uma série de questões".
<b>Política externa voltada ao público interno</b>
A retórica inflexível de Erdogan sobre o ingresso de Suécia e Finlândia à Otan acompanham uma estratégia de política externa pensada para responder a demandas internas de um país pressionado por uma grave crise financeira e que se vê pressionado por acusações de violações de direitos humanos – algo incômodo para um governante que se apresenta como um homem forte.
"O presidente turco espera garantir sua popularidade enfraquecida ao longo de duas décadas no poder. Ao se mostrar categórico nas suas declarações, ele enaltece o discurso nacionalista, recurso providencial a um ano das eleições presidenciais", publicou a <i>Rádio França Internacional</i>.
De acordo com Rudzit, a quantidade de pautas internas e a pressão externa sobre decisões do governo turco em seu território e na Síria aumentam o número de temas que podem ser alvo de barganha por Erdogan.
"O que a gente não pode esquecer é que a economia turca está praticamente em queda livre, com a inflação disparando e o câmbio completamente desvalorizado. E como Erdogan vem desrespeitando os direitos humanos no país há muitos anos, os governos europeus e de Washington vêm fazendo muita pressão sobre ele. Agenda negativa contra ele é o que não falta. Por isso é difícil de afirmar precisamente quais são e quais vão ser os interesses turcos nesse caso", afirmou Rudzit. (Com agências internacionais).