Parlamentares de oposição ao governo criticaram a live feita pela primeira-dama Janja Lula da Silva na noite anteontem, no canal do Youtube "TV Brasil Gov", administrado pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). A transmissão, chamada "Papo de respeito", teve como assunto a violência contra mulher, na véspera do 8 de março.
A live teve como entrevistada a ministra da Mulher, Cida Gonçalves. A apresentadora Lua Xavier também participou da transmissão. De acordo com a assessoria da primeira-dama, Janja programou novas lives em formatos semelhantes, entrevistando ministros e outras autoridades do governo.
Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e Felipe Camozzato (Novo-RS), deputados federais, e Daniel José (Podemos-SP), deputado estadual por São Paulo, disseram que a socióloga criou a "TV Janja" e estaria usando a estrutura pública para autopromoção. Rubinho Nunes (União Brasil), vereador em São Paulo, comparou Lula e Janja a Nicolás Maduro e Cilia Flores. A primeira-dama venezuelana ganhou um programa do marido em um canal estatal. Ao Estadão, a assessoria de Janja disse que ela não se manifestaria sobre as críticas dos parlamentares.
<b>ESTRUTURAS</b>
O ponto central da crítica à live está na licitude do uso de estruturas da TV Brasil pela primeira-dama. Até 2019, a EBC possuía um programa exclusivo para a veiculação de conteúdos governamentais, a TV NBR (TV Nacional do Brasil), enquanto a TV Brasil veiculava assuntos de interesse público-educativo.
Uma portaria da EBC, assinada no dia 9 de abril de 2019, unificou os dois programas e todo o conteúdo televisivo – incluindo o material institucional – passou a ser transmitido apenas na TV Brasil. A medida, firmada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), foi um tema sensível ao longo de seu governo. Em outubro de 2020, a TV Brasil transmitiu um jogo entre Brasil e Peru e o narrador da partida mandou um "abraço especial" ao ex-presidente. Por outro lado, as tradicionais lives feitas por Bolsonaro eram sempre transmitidas nas suas próprias redes sociais.
Floriano de Azevedo Marques, doutor em Direito Público e professor da Universidade de São Paulo (USP), classificou a live como "uma mensagem institucional, cabível no contexto do dia da mulher e compatível com a função de primeira-dama". Para ele, o que tornaria a live de Janja ilícita seria ela usar o espaço para "alguma propaganda imprópria".
A socióloga não tem cargo oficial no governo. Ela ficará no Gabinete de Ações Estratégias em Políticas Públicas, vinculado ao Gabinete da Presidência. A repartição ainda não foi publicada no Diário Oficial de Justiça, o que, segundo a assessoria de Janja, deve ocorrer nos próximos dias.
Apesar da inexistência de crime ou ato de improbidade na live, o caso acende o debate a respeito da separação dos canais televisivos da EBC. "A fusão da TV Brasil com a NBR é um retrocesso histórico a 1808, quando a Gazeta do Rio de Janeiro informava sobre temas gerais e publicava sobre os atos da coroa", disse Eugênio Bucci, professor da USP, doutor em Comunicação e ex-presidente da Radiobrás de 2003 a 2007. "Os dois canais devem funcionar separadamente", defende o professor.
Presidente da EBC, Hélio Doyle, nomeado por Lula no dia 14, compartilha dessa posição. Segundo ele, a live foi uma demanda da Secretaria de Comunicação, com quem a empresa tem contrato. "Sou contra essa junção (TV Brasil e NBR). Vamos dividir os canais."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>