O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, citou a "sanha" por expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) como um dos motivos para a guerra na Ucrânia. Esse é um argumento usado pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, para explicar suas razões ao determinar a invasão do país vizinho, no Leste Europeu. Contudo, o chanceler brasileiro ponderou que a ampliação da aliança militar ocidental para a fronteira russa "não justifica" a ação militar de Putin.
"A situação em que nos encontramos foi provocada por essa sanha, esse avanço, e hoje os contatos diretos de países da Otan com a fronteira imediata russa são enormes, desde a Finlândia, passando pelos países bálticos. É uma situação que é avaliada pelo governo (russo) como um risco a sua segurança", afirmou o chanceler Mauro Vieira.
Vieira participou na quarta-feira, dia 24, de audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. O ministro também reiterou, durante sua participação, a decisão da diplomacia de trabalhar contra o isolamento de Putin, que chamou de "cancelamento" da Rússia.
Ao abordar as razões da guerra e ecoar um argumento de Moscou, o ministro comentou relato histórico do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). O parlamentar petista fez apanhado de citações e análises sobre a expansão da Otan, atribuídas a diplomatas, especialistas, integrantes da comunidade de inteligência e outras autoridades dos Estados Unidos, desde os anos 1990. Segundo ele, diversas autoridades e conselheiros presidenciais apontavam que seria um erro grave a Otan agregar novos países até chegar ao entorno russo, após o fim da União Soviética.
O deputado criticou a decisão de expandir a Otan, quebrando um acordo que previa "nenhuma polegada em direção ao Leste Europeu". A aliança passou de 16 para 30 países-membros, destacou o petista. Chinaglia lembrou que, em 2008, durante uma conferência da Otan em Bucareste, a Rússia, que não foi aceita no grupo, esperava que a Otan desistisse da integração de vizinhos como Ucrânia e Georgia. Ele afirmou que "na ocasião Putin declarou que se a Ucrânia entrasse para Otan ela o faria sem a Crimeia e sem o Donbass".
"Vejam, Putin antecipou o que a Rússia Faria 14 anos atrás", afirmou Chinaglia. Citando informações reservadas dos Estados Unidos, ele lembrou que os russos consideravam o ingresso da Ucrânia na Otan como um "desafio direto" à existência de seu país.
"Os Estados Unidos são os maiores responsáveis por reacender a Guerra Fria no nível que está. Ninguém, por parte da Rússia, disse que não faria o que fez, ao contrário. Pois bem, pagaram para ver e agora há um desafio para buscar a paz", criticou Chinaglia, segundo quem Zelenski é um presidente "de extrema-direita que usa e contribui para a matança de seu povo para fazer o jogo perigoso da política internacional".
O ministro, então, respondeu que concordava e apreciava as referências trazidas pelo deputado, que ilustravam "um caminho no sentido da situação em que estamos". "Sem dúvida nenhuma, houve erros de avaliação, iniciativas equivocadas que levaram a essa pressão sobre a Rússia. Evidente que isso não justifica que haja invasão e agressão ao território (ucraniano). Mas havia na dissolução da União Soviética um entendimento de que não haveria essa expansão", disse o chanceler.
Mauro Vieira comparou a situação a um dos episódios mais críticos da Guerra Fria, quando os soviéticos instalaram mísseis nucleares apontados para o território dos Estados Unidos a 145 quilômetros da costa da Flórida, em Cuba. Washington reagiu e fez um bloqueio na ilha, exigindo a desmontagem das armas, até que um acordo foi negociado com Moscou.
"Isso nada mais é do que o outro lado da moeda de 1962, quando houve a crise dos mísseis russos em Cuba. É a mesma situação vista de outro ângulo", comparou Vieira.
As declarações ocorrem num contexto de desconfiança global sobre a posição do Brasil no conflito. Parte do Ocidente enxerga manifestações do governo brasileiro como mais favoráveis a Moscou.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva busca se colocar como equilibrado, e o presidente lançou a ideia de mediar um acordo de paz. Em viagens ao exterior, ele fez críticas aos países da Otan aliados de Kiev, como os Estados Unidos e potências europeias, e equiparou responsabilidades dos presidentes da Rússia e da Ucrânia pela guerra.
Para o chanceler, a posição brasileira é clara. Ele a definiu como de "equilíbrio construtivo", em vez de neutralidade, pois o Brasil se engaja conforme os interesses nacionais.
"Como todos sabem, condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia tanto na Assembleia Geral quanto no Conselho de Segurança, e, ao mesmo tempo, alertamos para os riscos do cancelamento da Rússia e das sanções unilaterais, que em nada contribuem para a construção de uma solução negociada. Pelo contrário, apenas diminuem os espaços de diálogo e estimulam uma arriscada espiral confrontacionista", discursou.
No fim de semana, Lula não se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. Os dois estavam em Hiroshima, no Japão, convidados para a cúpula do G7, mas nem sequer se cumprimentaram. Lula disse que abriu espaço na sua agenda para atender um pedido de conversa presencial, feito pelos ucranianos, mas que Zelenski não apareceu.
Lula e Mauro Vieira receberam recentemente o chanceler russo, Sergei Lavrov, em Brasília. Na ocasião, ele apontou uma similaridade de visões entre Brasília e Moscou, sem ter sido contestado. O fato provocou decepção em capitais do Ocidente. Diplomatas dos Estados Unidos viram um claro sinal de alinhamento.
O presidente havia enviado o assessor especial Celso Amorim a Moscou, para sondar Putin, e depois de cobrado também despachou o conselheiro e ex-chanceler a Kiev para ouvir Zelenski.
Diante de pressões, Lula voltou a reiterar que condena a violação territorial da Ucrânia e que Putin errou, mas que não aceita sanções unilaterais. O presidente afirma que nenhum dos lados na guerra deseja discutir a paz agora, mas que ambos precisarão ceder em prol de um acordo.
"Como todos sabem, condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia tanto na Assembleia Geral quanto no Conselho de Segurança, e, ao mesmo tempo, alertamos para os riscos do cancelamento da Rússia e das sanções unilaterais, que em nada contribuem para a construção de uma solução negociada. Pelo contrário, apenas diminuem os espaços de diálogo e estimulam uma arriscada espiral confrontacionista", discursou.