Em grave crise, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é uma das mais afetadas pelo novo bloqueio de recursos a universidades e demais instituições de ensino federais imposto pelo governo Jair Bolsonaro. Ao <b>Estadão</b>, o pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, Eduardo Raupp, contou que a instituição está com as contas de setembro atrasadas e que deixou de pagar pelo fornecimento de água e energia em julho após decretar moratória. "A situação é grave, não sei até quando os fornecedores vão continuar sem receber", continuou ao citar serviços terceirizados básicos, como limpeza e vigilância. "Estamos no limite."
Com as restrições, Raupp diz que a universidade tem uma demanda reprimida em diferentes setores, como a implantação completa de medidas de combate a incêndios, e que reajustes de contratos foram feitos em meses anteriores. Aponta que, se o bloqueio não for revertido, a universidade não terá mais condições de funcionar com as condições sanitárias e de segurança necessárias. "A gente tem sobrevivido", descreve.
Restrições orçamentárias anteriores já têm impactado diferentes áreas. Com a redução da segurança patrimonial dos câmpus, por exemplo, a universidade enfrentou casos de furtos de equipamentos, comenta o pró-reitor.
O impacto do novo bloqueio ainda está sendo mapeado e pode afetar os nove hospitais de responsabilidade da UFRJ. Raupp diz que cerca de um terço do orçamento desses espaços são destinados pela universidade e que a "essencialidade" e "emergência" serão consideradas na decisão sobre eventuais restrições de serviços.
Ele considera que a atual crise é mais grave do que as anteriores, pois os fornecedores vivem uma situação financeira mais delicada, por causa da pandemia. "Estamos fazendo análise contrato a contrato, chamando para conversar."
O pró-reitor comentou que uma eventual redistribuição dos recursos de investimento para custeio pode ocorrer, porém o valor é considera baixo (cerca de R$ 2,3 milhões não estão empenhados) e insuficiente para resolver a situação. "São R$ 25 milhões por mês de custeio."
Segundo ele, o maior impacto sentido pela instituição foi um bloqueio no início do ano que inviabilizou o acesso às próprias receitas, arrecadadas, por exemplo, por meio de aluguéis de imóveis. "São R$ 12 milhões, R$ 13 milhões, que estão inacessíveis."
Com o atual ano letivo previsto até fevereiro, a universidade não considera a possibilidade de parar o ensino presencial por enquanto. "A gente fez tudo o que podia, em termos administração de recursos, para continuar funcionando", comenta. Raupp cita que a estimativa é que o orçamento hoje seja metade do recebido há 10 anos, ao considerar a inflação. "É uma defasagem muito grande."
Além da UFRJ, outras instituições afirmam que não há mais como restringir os custos sem afetar o funcionamento e estudam o que irão "cortar no osso". Entre os cortes de custo discutidos, estão o pagamento de contas de água, energia, internet e serviços essenciais terceirizados, como de vigilância e limpeza, e a manutenção de auxílios estudantis, inclusive as atividades de restaurantes universitários, transporte e moradia estudantil.
O reitor da Universidade Federal de Lavras (Ufla), João Chrysostomo de Resende Júnior, declarou, por exemplo, que é "provável" o adiamento da retomada das aulas após o recesso do primeiro semestre, que ocorreu fora do calendário tradicional, por efeito da pandemia. Em comunicado, informou que a instituição estava com um déficit de cerca de R$ 1 milhão antes do atual bloqueio, de R$ 3,3 milhões.
Também citou outras medidas de redução de custos que estão em discussão, como o reajuste do valor das refeições no restaurante universitário ou a paralisação do serviço, a descontinuação do funcionamento do transporte interno e da moradia estudantil, a suspensão do pagamento de bolsas e a redução no número de funcionários terceirizados, dentre outras.
Em coletiva de imprensa, o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Fonseca, defendeu que o contingenciamento seja revisto, pois todo o remanejamento possível foi feito e a situação afeta ensino, pesquisa (inclusive o desenvolvimento de novas vacinas) e serviços prestados à população em geral, como em hospitais universitários.
"Tudo isso estruturalmente já estava com grande diminuição", afirmou. "Não existe mais gordura para queimar, nem carne para cortar. Agora é no osso. A situação é trágica nas universidades", declarou.
Procurado pelo <b>Estadão</b>, o MEC afirmou, em nota, ter realizado "os estornos necessários nos limites de modo a atender ao decreto, que corresponde a 5,8% das despesas discricionárias de cada unidade". "Segundo informações do Ministério da Economia, consoante ao que também determina o próprio decreto, informamos que os limites serão restabelecidos em dezembro", completou.
Já o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) destacou que o bloqueio de R$ 147 milhões dos institutos federais (IFs), dos centros federais de educação tecnológica (os Cefets) e do Colégio Pedro II, do Rio, vai afetar serviços essenciais de limpeza e segurança. "Transporte, alimentação, internet, chip de celular, bolsas de estudo, dentre outros tantos elementos essenciais para o aluno não poderão mais ser custeados", apontou.
"Serviços essenciais de limpeza e segurança serão descontinuados, comprometendo ainda as atividades laboratoriais e de campo, culminando no desemprego e na precarização dos projetos educacionais", completou, em nota. "É necessária e urgente a recomposição orçamentária, sob pena da rede federal ter seu funcionamento comprometido."
Também nesta quinta-feira, a Universidade Federal de São Carlos (UFScar) emitiu um comunicado da reitoria, no qual descreve a situação na entidade paulista como "crítica" e aponta que o bloqueio é de mais de R$ 2 milhões. O pagamento de bolsas de assistência e permanência estudantil e o funcionamento do restaurante universitário estão garantidos até janeiro, porém "demais despesas, como energia e esgoto, terão que ser negociadas com as empresa", segundo a fala da pró-reitora de Administração, Edna Augusto, reproduzida em comunicado.