No início deste mês, o diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Ultrapar, André Pires, disse que o grupo esperava retomar as atividades do terminal da Ultracargo em Santos em meados do ano que vem. O prazo, contudo, é considerado “muito improvável” pela promotora de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), constituído no âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo, Flávia Maria Gonçalves. O motivo é que o retorno da operação depende de um novo licenciamento ambiental da área, a ser concedido pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), que é ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo paulista, disse a promotora, em entrevista ao Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.
Além do trâmite burocrático usual para obter essa autorização, deve-se considerar ainda a complexidade do caso, disse a promotora. O licenciamento deve exigir da companhia resolução para todas as irregularidades que foram encontradas e que colaboraram com o incêndio, explicou. “A tramitação regular de um licenciamento ambiental é mais demorada do que a empresa está prevendo. É muito improvável que em julho tenham sido esgotadas todas as formalidades previstas”, afirmou Flávia.
Segundo a promotora, a previsão divulgada pela empresa despertou a atenção do Gaema. “A notícia de que a Ultracargo iria voltar a operar o terminal chamou a atenção. Nem tínhamos ciência de novo licenciamento… A área ainda está sub judice criminal (em apreciação pela Justiça), foi desinterditada pela polícia muito pouco tempo atrás. Não daria tempo de programar tudo isso e já licenciar agora”, disse. “Queremos acompanhar de perto o novo licenciamento do terminal”, acrescentou.
O Ministério Público divulgou na terça-feira, 29, o laudo das causas do acidente. O incêndio começou com a ruptura de uma bomba, que havia sido acionada indevidamente, porque estava com as válvulas de entrada e de saída de combustíveis fechadas. Com o acionamento, houve uma espécie de sobrecarga, que gerou superaquecimento, concluíram os técnicos do Ministério Público.
Mas o acionamento indevido não foi a única falha encontrada. Essa bomba não contava com um sistema de supervisão que permitisse o seu controle a distância, o que seria necessário em um caso como o ocorrido. A conclusão é de que houve falha de operação seguida de uma desconformidade no sistema de supervisão.
Os problemas, contudo, não pararam nessa fase. Conforme o Ministério Público, o combate ao incêndio também apresentou falhas. Tanto que a empresa acabou precisando da ajuda de empresas parceiras, como a Petrobras, para combatê-lo. A promotora explicou que a vazão de água era baixa em relação à dimensão do incêndio, de forma que os tanques que precisavam de resfriamento não foram atingidos.
Esses fatores em conjunto colaboraram para que o acidente durasse praticamente nove dias. “Foi o maior incêndio do País em termos de duração”, afirmou. Logo, o licenciamento exigirá correção dessas falhas. “O que ficou evidente é que o sistema de combate ao incêndio e o controle das operações não foram eficientes”, disse.
Indenização bilionária
O Ministério Público calculou os danos ao meio ambiente em R$ 3,671 bilhões, que é a indenização estipulada para a Ultracargo em um acordo. Este é um valor mínimo e engloba apenas os prejuízos que investigadores conseguiram visualizar, explicou Flavia. “Os danos à fauna marinha, por exemplo, foram calculados superficialmente, considerando a quantidade de peixes que ficaram boiando, de quase 9 toneladas. Mas os animais que foram para o fundo do mar, toda a cadeia alimentar atingida, não sabemos”, afirma, ao explicar que a negociação do valor seria “quase impossível”. Em resposta ao Broadcast, a Ultracargo informou que está em diálogo com o Ministério Público buscando um acordo para implementação de ações objetivas para mitigar eventuais impactos decorrentes do incêndio.
Supondo que a Ultracargo concorde em pagar o valor estipulado, assinando um termo de ajustamento de conduta, há duas possibilidades: a conversão dos recursos em medidas de compensação ambiental em prol da região ou depositá-los no Fundo de Direitos Difusos Lesados, que tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, entre outros fins.
Se não houver possibilidade de acordo, a saída se dará por decisão judicial. As empresas envolvidas foram convidadas para uma reunião em 15 de dezembro, quando será avaliado se é possível chegar a um acordo. Além da Ultracargo e da Ultrapar, foi convidada a Raízen, dona do Terminal de Exportação de Álcool de Santos (Teas).
Colaboração
A Ultracargo informou que acompanhou e colaborou ativamente nas investigações sobre o incêndio, que foram conduzidas pela Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo com a participação das demais autoridades competentes e resultaram em relatório “não conclusivo” a respeito de possíveis causas para o incidente.
A empresa disse que, independentemente da determinação das possíveis causas, dedicou-se à identificação de medidas possíveis de mitigação de riscos e apresentou às autoridades competentes um projeto abrangente de aprimoramento dos planos de prevenção e combate a incêndios, que prevê a implantação de estruturas e processos significativamente mais robustos que os exigidos pelas leis e normas vigentes. Esse plano foi aprovado e está em fase de implementação. A companhia ainda informou que seguirá colaborando com as autoridades.