O doidão dos anos 70 era usuário de maconha, ácido lisérgico, haxixe, mescalina e compostos de outras substâncias que alteravam temporariamente as percepções das pessoas e seus estados de consciência. Ocorre que, na verdade, o doidão era muito lúcido. Talvez fosse a mais lúcida das pessoas de uma época, dominada por “tanta mentira, tanta força bruta” como escreveu um deles – Chico Buarque – na letra de música em que pedia: “Pai, afasta de mim este cálice”. Ele era, também, jovem e sensível. Se mudava o funcionamento de seu cérebro com os componentes daquelas drogas que atuavam em seu sistema nervoso era porque sentia necessidade de entrar em outro tipo de realidade.
O doidão de hoje está num trabalho de Asaf Hanura – gênio da ilustração de Israel, como Tomer Hanuka, seu irmão gêmeo. Ele se contorce por efeito de outra “bebida amarga” tão forte como a do cálice de Chico, imposta hoje à Humanidade. Aquele veneno cotidianamente administrado por psicopatas, como Trump, que controlam o planeta com poder, riqueza e ogiva nuclear. O neodoidão igualmente procura defender-se em outra realidade, paralela, onde tem amigos. Lá, busca aceitação, afeto, admiração, empatia, sentimentos que recebe em pequenas porções – os likes – como líquidos de ampolas.
Nem sempre, porém, o que injeta no seu sangue traz-lhe as visões coloridas, psicodélicas, semelhantes às desfrutadas por seu antecessor. Como também acontecia com este, experimenta, às vezes, sensações fisiológicas e psicológicas desagradáveis. Provocadas não pelas substâncias psicoativas cujos efeitos psicotrópicos desencadeavam a antiga e temida “bad trip”. Mas embutidas em palavras que, no vocabulário da sua novilíngua, foram impregnadas de sentido depreciativo, como “textão” e “justiceiro do Face”.
Em compensação, o atual doidão anos não corre o risco de ser desalojado, nem depois da morte, do seu “contra-universo”. Palavra com a qual Agripina Encarnación Alvarez Ferreira designa a casa de nossa família, num estudo sobre o filósofo e poeta francês Gaston Bachelard. Nela, é onde buscamos – diz ela – não só abrigo “contra o frio, contra o calor, contra a tempestade, contra a chuva”, como, sobretudo, “sonhos de intimidade”. Para permanecer nesta “casa”, ao doidão basta que tenha o cuidado de designar alguém para gerenciar seu espaço no Facebook ou informar a tempo o administrador da rede social de que deseja permanecer nela, depois de morto.
Se o doidão dos anos 70, com sua natureza de outsider, provavelmente desapareceu. Como Belchior, em porões da polícia, ou nas lutas guerrilheiras. O doidão de hoje ficará sempre visível. Pois, faz parte de um novo tipo de ser humano, gerado no convívio com os avanços da tecnologia, dizem os especialistas.