Mundo das Palavras

Um homem quando chora

O nordestino Waldick Soriano e o belga Jacques Brel são dois artistas surgidos em contextos socioculturais contrastantes que guardam surpreendentes semelhanças. 
 
Ambos cantaram músicas com personagens masculinos que “entregam-se sem reservas a um amor canino, suplicante, ferido, rastejante”, na certeira descrição da psicanalista Maria Rita Kehl em “Amantes mal-amados”.  
 
Waldick anuncia no título de uma de suas músicas mais conhecidas: “Eu não sou cachorro não”. Em outra canção, “Paixão de um homem”, ele declara: “estou com os olhos rasos d´água”… um homem quando chora tem no peito uma paixão”.
 
 Já Jacques Brel diz na música “Ne me quitte pas” (“Não me deixes”): “Não vá embora, eu não vou mais chorar… deixe que eu me torne a sombra do seu cão”.
 
Os biógrafos dos dois artistas associam a postura destes personagens masculinos a lembranças ruins da procriação guardadas por ambos. No caso de Waldick à lembrança de seu próprio nascimento, no ano de 1933, em Caetité, no interior da Bahia. Ele foi abandonado por sua mãe, criança pequena, antes de começar a trabalhar como engraxate. Depois lavrador, garimpeiro e cantor, só nos anos de 1970, Waldick se tornaria um ícone da música brega. 
 
Destino completamente diverso teve o sofisticado francófono Brel, nascido em 1929, numa comuna de Bruxelas. Mas, embora dotado de talento para o canto, a composição e a representação dramática, ele, no entanto, teve de se apoiar numa jovem atriz para ver alavancada sua carreira. Suzanne Gabriello apresentava espetáculos no Olympia de Paris, quando se envolveu com Brel, àquela altura, já casado com Thérèse Michielsen. Quando o relacionamento deles chegou ao seu quinto ano – em 1959 -, Suzanne engravidou. Mas Brel não quis terminar seu casamento e abandonou Suzanne. Ela fez aborto e entrou em depressão. Foi quando Brel compôs “Ne me quitte pas”, “um hino à covardia masculina”, como ele próprio classificou sua canção sete anos depois, ao encerrar sua carreira de cantor. Naquele ano de 1966, Brel se apresentou num show de despedida no auditório da Radio France, em Paris. E chorou a ponto de deixar escorrer ranho do nariz, ao cantar a música, como se vê na imagem que ilustra este texto. E na internet: https://www.youtube.com/watch?v=uEAGoLHMMoA.    
 
Waldick, como Brel, atraiu a atenção de muitas mulheres. No seu artigo, Kehl afirmou: a insegurança masculina, às vezes tem um “charme a que o chamado instinto maternal das mulheres não resiste”. 
 

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