Mundo das Palavras

Um Lula sem palavra?



Franklin Delano Roosevelt ainda não tinha assumido o primeiro dos seus quatro mandatos como presidente dos Estados Unidos, quando, em 1921, aos 39 anos de idade, contraiu poliomielite e passou a ter grandes dificuldades para se movimentar. Frequentemente usava uma cadeira de rodas para se deslocar, no comando de seu país. E isto aconteceu entre os anos de 1933 a 1945, portanto, num dos períodos mais dramáticos da História recente dos Estados Unidos – o período da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. O presidente caminhava apenas se seu guarda-costa o amparasse.


Roosevelt procurou esconder esta deficiência física a ponto de, hoje, só existirem duas fotos dele sentado em sua cadeira de rodas. Mas, ela não o impediu de dominar o cenário político dos Estados Unidos por décadas, destacam os estudiosos de sua carreira.


Uma situação como esta, a de um grande líder político privado do uso pleno de seu corpo, imaginada no Brasil atual, nos permitiria cogitar sobre a continuidade da carreira de Lula, sem a sua voz, ameaçada por um câncer na laringe? A pergunta é quase retórica, pois a recuperação certa da voz parece garantida a Lula por médicos, hospital e tratamento caríssimos postos à disposição dele. Serve, no entanto, para destacar a importância da oralidade na carreira deste líder, admirado porque, durante suas duas gestões na presidência do Brasil, milhões de pessoas foram incorporadas ao mercado de consumo. E odiado porque esta conquista foi obtida com a complacência diante da corrupção política, usada por ele como estratégia de governo.


É possível imaginar um Lula mudo? Logo Lula que ainda como líder metalúrgico já tinha no timbre rouco de sua voz um dos traços mais marcantes de sua atuação. Traço que, somado à sua barba, compôs o “sapo barbudo”, como o chamou Leonel Brizola, que amedrontava a classe média e tornou inócuas suas primeiras tentativas de chegar à presidência da República.


Logo Lula, que após o banho de marketing dado pelo publicitário Duda Mendonça virou o “Lulinha Paz e Amor”, um “comunicador” de palanque, viciado no uso de metáforas em textos orais improvisados. Textos que,  transcritos, parecem bizarros.  Como se pôde notar nas páginas da revista Língua Portuguesa nas quais aparecem trechos de seus improvisos. Por exemplo, diante de formandos do SESI, no Rio de Janeiro, Lula disse: “É como se esse palco fosse um grande ovo cheio de pintinhos dentro, que, até então, não sabiam como era o mundo. Esse curso, na verdade, fez vocês quebrarem a casca do ovo e aparecerem para o mundo em que vocês vão viver daqui p´ra frente”.


A oralidade de Lula mereceu muita atenção de estudiosos da linguagem verbal. Há quem a despreze, numa postura elitista. E há quem a considere um instrumento de manipulação. Nem por isto, os adversários civilizados de Lula, neste caso, deixam de torcer pela recuperação do “dono da voz”. Embora saibam que, Lula, mesmo curado, também permanecerá, em certa medida, e, em outro sentido, um homem sem palavra. Como, infelizmente, ocorre com os políticos brasileiros.   


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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