Mundo das Palavras

Um mestre silencia

Como é o momento no qual um criador de textos desiste de continuar a escrever? Nele acontece algo entre seus leitores que corresponda a uma decisão tão grave? Provoca reações públicas? Como o encaram seus colegas de ofício?  O que sente o próprio escritor?


Estas perguntas surgiram quando Rubem Alves no último dia 1° de novembro anunciou a seus leitores, na Folha de S. Paulo, que estava se despedindo deles. 


Rubem Alves foi sempre um produtor de textos prolífico. Quem se der o trabalho de consultar na internet tudo o que ele já escreveu ficará espantado. Psicanalista, educador e teólogo, além de escritor, ele já produziu sete obras de literatura infanto-juvenil, sete de crônicas, sete de Filosofia da Ciência e Educação, seis de Teologia, cinco de Filosofia da Religião e uma biografia.


Foi esta fertilidade que permitiu a Rubem apresentar aquela despedida, ainda produtivo, admirado e bastante conhecido, aos 78 anos de idade. Quando anunciou sua renúncia ao espaço que o jornal lhe havia oferecido, Rubem lembrou que ser lido por milhares de pessoas era um dos seus grandes sonhos, como escritor.  A visibilidade dada por uma publicação como a Folha de S. Paulo, ele comparou ao brilho das estrelas. Mas, por brilharem há tanto tempo, as estrelas  provocaram pena em Fernando Pessoa, disse Rubem. Ele citou versos do poeta nos quais Pessoa pergunta se não existirá um cansaço de todas as coisas.  No caso de Rubem, ele revelou, o cansaço adviria da prisão que o jornal cria ao âmbito do presente.  “Notícias: coisas do dia, que amanhã estarão mortas”, escreveu ele. E, sobretudo, adviria do senso de relevância. “Não é qualquer coisa que se pode publicar num jornal”, afirmou.  Num trecho da sua despedida, ele confessa: “Pode ser que não seja assim, mas é assim que eu sinto: que já disse tudo. Não tenho novidades a escrever”. “Perco o sono atormentado por deveres, pensando no que tenho de escrever”, ele disse ainda. Este situação renovou em Rubem o gosto por “uma certa ausência do mundo”, algo que Carlos Drummond viu em Clarice Lispector.


Muitos leitores devem ter experimentado sentimentos de tristeza e abandono com a despedida de Rubem. O escritor ficaria estimulado a continuar produzindo para a Folha de S. Paulo, se estes sentimentos fossem manifestados, publicamente, pelos leitores, de modo claro e contundente? Afinal, em muitas ocasiões anteriores Rubem certamente foi atingido pelo mesmo cansaço e pela impressão de ter dito tudo. Isto ocorre com quem vive da criação de textos.  Porém, apenas a ex-senadora Marina Silva se manifestou através da própria Folha de S. Paulo, reconhecendo sua dívida de gratidão com o escritor. Infelizmente.


Rubem, é claro, tem o direito inquestionável de silenciar agora, se isto for conveniente a ele. Já deu muito de si através de seus textos. Mas, a sua despedida não provocou a reação adequada, previsível. Talvez porque desconcertou seus admiradores. Assim, demandará tempo para ser absorvida. Ou, quem sabe, cancelada por ele, mais tarde. Tomara. 


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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