Quem é velho o bastante para ter
acompanhado o papado de João XXIII, nos distantes anos de 1960, certamente,
guardou algum tipo de afeto e admiração por ele. Mesmo quem não era católico,
cristão ou sequer teísta se via obrigado a reconhecer a sensibilidade social e a
inteligência política daquele Papa. Qualidades que se destacaram nele depois quando
os jovens da América Latina se julgaram capazes de implantar Justiça Social em
seu continente, estimulados pelo êxito de Fidel Castro e Che Guevara, ambos ainda
idealistas, na liderança da guerrilha que derrubou o governo corrupto de
Fulgêncio Batista, em Cuba, nos final dos anos de 1950.
Naquele momento, o Papa percebeu o
erro de parte do clero cubano que se opôs ao movimento guerrilheiro, ajudando,
assim, a empurrá-lo na direção do bloco comunista, liderado pela antiga União
Soviética. A perda daquela nação católica fez João XXIII compreender que sua
Igreja devia tomar um rumo muito diferente do adotado por alguns membros do clero
da ilha rebelde. Sabiamente, ele a direcionou no rumo estabelecido pela própria
Doutrina Social da instituição. E aos antigos documentos doutrinários, ainda acrescentou
duas encíclicas suas – as “Mater et
Magistra” e “Pacem in Terris” – primorosas pelo que exprimiram de anseio por
paz social com justiça no nosso atormentado mundo contemporâneo.
João XXIII foi além. Convocou o
Concílio Vaticano II que instaurou na Igreja Católica de sua época uma fase de arejamento
interno institucional, abrindo-a ao diálogo frutífero com outras religiões e com
marxistas ateus.
Sem perder seu jeito de camponês
bonachão, o Papa fez tudo isto resignado frente à obrigação de suportar a pompa
que cerca o ocupante de seu cargo. Continuou a ocupar os amplos recintos
reservados ao Papa, e, nas cerimônias mais solenes, se deixou carregar sentado em
majestosa cadeira, nos ombros de fiéis da sua Igreja, como seus antecessores. Foi
humilde a ponto de sacrificar uma simplicidade que lhe era natural.
Hoje a Igreja Católica dispõe do
privilégio de contar com um Papa que parece ter a mesma disposição de João XXII
para renovar, ao enfrentar dois dolorosos problemas: o da pedofilia entre o seu
clero e o da corrupção no Banco do Vaticano.
No entanto, quem acompanha o Papa
Francisco, um latino-americano como nós, com simpatia e solidariedade, se
inquieta com seus gestos tão ostensivos de humildade, inevitavelmente associado
ao populismo arraigado em nosso continente.
Tomara que esta inquietação
desapareça com a passagem do tempo. E a humanidade venha a ganhar muito com um
Papa, de fato, humilde como João XXIII.