Mundo das Palavras

Uma Frida Kahlo do Brasil profundo

Um tipo de ódio coletivo rancoroso, cego, obtuso, nunca foi tão visível como agora, neste período eleitoral, embora quem tenha observado melhor a sociedade brasileira certamente sabe da secular sobrevivência dele, mais ou menos contido. Tantas foram as vezes nas quais aflorou ao longo de nossa História. Que outro sentimento existiu no massacre dos índios, durante o período colonial? Na escravatura de africanos, mantida até pouco antes do fim do período imperial? E, mais recentemente, nas perseguições políticas no Estado Novo, e na Ditadura Militar Pós-1964? Que sentimento prepondera no tratamento dispensado a negros, pobres, mulheres e homossexuais em delegacias das periferias nas cidades do País?
 
No entanto, ainda assim, a visibilidade deste ódio veiculado em pleno horário nobre das emissoras de rádio e televisão e estampado em páginas dos grandes jornais, assusta e angustia. Afinal, os brasileiros não sairam há pouco das cavernas. Ao contrário, são formados num ambiente marcado pela sensibilidade do humanismo cristão, pela delicadeza das obras de nossos artistas, pela teimosa honradez de multidões de operários e homens do campo, pela dedicação heroica de defensores dos direitos do povo, em cada instante da nossa História.
Assim, é certo, a maioria dos brasileiros não optam por regressar à barbárie, ainda que sofram muito pela incapacidade do chamado poder instituído (instalado nas suas três instâncias – a dos executivo, legislativo e judiciário) de atuar no comando do Pais de modo a atender a seus direitos e expectativas relacionadas à obtenção de emprego, acesso à escola de qualidade, bons hospitais e a uma verdadeira Justiça. 
 
Mesmo na pior obscuridade criada pelo governo militar nos Anos de Chumbo dos anos de 1970, a quase totalidade da população brasileira soube preservar o estágio civilizatório da evolução da sociedade nacional, como demonstraram artistas na encenação, com grande repercussão, naquele período, do roteiro de espetáculo escrito por Paulo Pontes, com o título: “Brasileiro – profissão esperança”.
Fincado no solo da civilização nacional estão outros sentimentos, alimentados por raízes muito mais profundas. Ninguém precisa procurar isto em massudos ensaios acadêmicos porque estes sentimentos estão presentes no nosso cotidiano. Mostraram, há poucos dias, dois catadores de lixo e uma sambista. 
 
Dionísio Ferreira e Érica Ferreira, depois de 16 anos de vida em comum, se casaram, desafiando pobreza e preconceitos. Érica tinha acabado de conseguir documento de identidade de mulher trans. 
 
Beth Carvalho impossibilitada de se manter de pé pelas incômodas dores no corpo que a perseguem há 10 anos, apresentou-se num palco do Rio de Janeiro, em show musical elogiadíssimo pela crítica. 
 
Deitada numa cama. Como a mexicana Frida Kahlo que assim pintou telas, depois de um acidente automobilístico.
 
(Ilustração: distribuída na divulgação do espetáculo)
 

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