A babá – chamada de Nanny pelos patrões – cuida dos preparativos para a festa de aniversário de Jean Lucca, filho de um casal rico que mora em um condomínio luxuoso nos arredores de São Paulo. A empregada toma conta não só da comemoração, mas de toda a criação do menino. Os pais nem têm certeza de que aquela é a data certa do nascimento da criança. “É um casal que não se dá conta das pessoas que estão em volta, especialmente os funcionários”, afirma o cantor, compositor, ator e diretor Dan Nakagawa, que coloca uma lente de aumento nos “absurdos” do cotidiano em seu novo espetáculo.
O Aniversário de Jean Lucca, que estreou na quarta-feira, 3, no Teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista, é, na definição do também autor do texto, um “quase” musical do Teatro do Absurdo, influenciado pelos mestres Samuel Beckett (1906-1989) e Eugène Ionesco (1909-1994) e pelo dramaturgo contemporâneo Matéi Visniec, que trata da “cultura da indiferença” na sociedade brasileira. Até mesmo os vizinhos causam desconfiança na família retratada.
“São bolhas narcisistas onde você só quer ficar no meio dos seus pares”, observa Nakagawa, que também se inspirou nos estudos do psicanalista paulistano Christian Dunker para escrever sua terceira peça. “Ele fala que a sociedade moderna começa a ficar apática com o diferente, com o outro, para não ter que lidar com as questões, com os problemas e, principalmente, com o sofrimento”, comenta o diretor, que teve a colaboração de Dunker em um trabalho anterior, Normalopatas.
Nakagawa aponta o psicanalista e o cantor Ney Matogrosso – parceiro na carreira musical do artista – como “provocadores” do espetáculo. “São pessoas que têm um impacto muito grande na provocação, que redimensionam o rumo do processo”, diz. A propósito, Ney canta uma música dele (Inominável) em sua nova turnê.
Apenas os personagens que não aparecem em cena (o próprio Jean Lucca, Maria Júlia, amiga do garoto, e o cachorro Justin) têm nome na peça. Alguns atores, inclusive, revezam papéis. As caracterizações e os figurinos são exagerados para dar uma sensação fake. Complementando a atmosfera “bagaceira”, o cenário de J.C. Serroni remete a um estúdio de sitcom.
“Minha decisão estética foi para se distanciar da naturalidade, para colocar uma lente no absurdo. Fica sempre uma sensação deslocada”, diz Nakagawa
No elenco, estão Adriane Hintze, Alef Barros, Alexandre Fernandes, Camilla Ferreira, Dagoberto Macedo, Dalton Caldas, Elisete Santos, Igor Mo, Mariana Torres, Maristela Chelala e Vivian Valente. No palco, os músicos André Vilé (sonoplastia experimental ruidosa), Tatiana Polistchuk (cello) e Julia Navarro (piano) executam a trilha sonora composta pelo autor.
A peça começou a ser escrita entre 2017 e 2018, quando Nakagawa fazia um intercâmbio teatral em Estocolmo. No fim do ano passado, O Aniversário de Jean Lucca ganhou uma leitura – em inglês – feita por atores suecos. Produtores tentam viabilizar uma montagem do espetáculo no país europeu, para onde o artista volta em maio para dirigir uma performance de música e dança, chamada Wonderful Days (Dias Maravilhosos).