Dentre tantas camadas de texturas lisérgicas criadas através das guitarras, era possível sentir a solidão, o sentimento de ausência e saudade que Ruban Nielson, vocalista e líder do Unknown Mortal Orchestra, tentava esconder. Assim se passaram dois discos, lançados a partir de 2011, ajudando a criar um frisson em cima de uma cena de rock psicodélico surgida da Oceania. Tame Impala, banda que segue uma estética mais tradicional (se é que é possível dizer isso), foi direto para a fama, galgou posições até surgir como atração principal nos maiores festivais de verão do Hemisfério Norte. O Unknown Mortal Orchestra foi o primo esquisito dessa família que despontou razoavelmente junta e mudou o modus operandi do rock mundial pós-2010.
A versão do Unknown Mortal Orchestra que, enfim, chega a São Paulo, com show marcado para esta quinta-feira, 28, como parte da festa/festival Popload Gig, no Beco 203, contudo, acrescentou malemolência naquela lisergia toda, graças ao ótimo disco Multi-Love, um dos grandes álbuns lançados no ano que passou. A agonia de Nielson, contudo, continua intacta. E ainda bem.
Nascido na Austrália e criado na Nova Zelândia, o músico que criou o Unknown Mortal Orchestra como projeto solo anônimo hoje mora em Portland, cidade do Estado norte-americano de Oregon, e espécie de capital mundial do hipster – subcultura alternativa marcada por escolhas pouco ortodoxas, naturebas, barbas longas, penteados curiosos e gosto musical bastante peculiar. Ou seja, a cara de Nielson e sua banda. A piada de que Portland é a capital mundial da cultura hipster é tamanha que ganhou uma das mais divertidas séries de comédia recente chamada Portlandia, protagonizada por Carrie Brownstein e Fred Armisen. “Sempre comentava como a série é parecida com o que a gente vive na cidade”, diz o músico, ao telefone, de sua casa. “É curioso como tudo o que eles fazem piada na série acontece de verdade em Portland.”
O Unknown Mortal Orchestra, também conhecido como UMO, nasceu da faixa Ffunny Ffrends, publicada na internet sem nenhuma explicação e chamou a atenção da mídia especializada graças às guitarras reverberantes e os vocais cheios de ecos. Nielson, que havia feito relativo sucesso no meio indie com sua banda The Mint Chicks até 2010, percebeu o potencial que havia na canção, reivindicou a autoria e criou o novo grupo.
Em um movimento acompanhado também por Kevin Parker, gênio indie criador do Tame Impala, Nielson chamou músicos para participarem cada vez mais do processo criativo da banda. E, novamente como Parker, o líder do UMO chegou ao terceiro disco, deixando um pouco a guitarra e a distorção de lado e assumindo o gosto por sintetizadores e canções diretamente ligadas por um cordão umbilical ao clima das discotecas dos anos 1980. Multi-Love, o álbum em questão, transcende o sentido mais contemplativo da psicodelia e chama o público para deixar ser levado pela malemolência de suas nove canções. “Entendo que os nossos dois primeiros discos (Unknown Mortal Orchestra, de 2011, e II, de 2013) são irmãos. São parentes de sangue, mesmo. Muito próximos. No terceiro álbum, queria romper com isso. E, no estúdio, eu pensava muito nos discos do Prince”, explica Nielson sobre o que o motivou a desvendar novos caminhos sonoros. “Para manter os fãs interessados, é bom fazer uma surpresa. E, para ser franco, se continuasse fazendo sempre a mesma coisa, começaria a ser chato, não acha? E não seria tão bom quanto.”
Relacionamentos findados, reflexões sobre a vida contemporânea e corações quebrados, contudo, ainda são a força motora das composições de Nielson. Ele explica ao telefone que, de alguma forma, todas as canções são arquétipos da mulher dele, Jenny. “Então, são músicas sobre uma pessoa real E, ao mesmo tempo, são sobre uma personagem baseada nela”, diz o músico. Como se precisasse: em Multi-Love, faixa que abre o álbum, ele deixava isso bem claro. “Não é que esta canção é sobre ela / Todas são sobre ela.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.