Economia

Usinas do Madeira contestam dívida bilionária na Justiça

Com o atraso no cronograma de obras e o preço da energia nas alturas, as hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, estão sobrevivendo de liminares. Sem o respaldo judicial, as duas usinas estariam devendo, até maio, mais de R$ 1,1 bilhão no mercado por descumprir os contratos fechados com clientes para fornecimento de energia. Hoje quem está arcando com o prejuízo são as distribuidoras de energia, que têm sido financiadas pelo Tesouro e pelo sistema bancário. A partir de 2015, quem pagará a conta será o consumidor.

Nos dois casos, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) analisa pedido para eximir as empresas de responsabilidade nos atrasos e isentá-las dos custos financeiros, além da revisão do cronograma. Como o órgão regulador tem demorado para dar uma resposta e a fatura dos contratos não cumpridos começou a chegar, as empresas foram à Justiça. Com as liminares, ficaram livres de punições, encargos e de recompor lastro – ou seja, comprar energia no mercado de curto prazo para cumprir os contratos.

Procurada, a Aneel disse que só se pronunciará quando o processo for deliberado pela diretoria, mas não informou quando o assunto entrará em pauta. Enquanto isso, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que faz o acerto de contas das negociações feitas no setor elétrico, tem sido obrigada a desconsiderar os valores devidos pelas usinas.

Embora as duas hidrelétricas estejam em situação semelhante, boa parte do atraso nas obras tem origem diferente. Em Jirau, o principal argumento, corroborado por especialistas e executivos do setor, está na série de conflitos no canteiro de obras, ocorridos em 2011 e 2012. No primeiro deles, quando havia aproximadamente 18 mil trabalhadores, 70% do alojamento foi queimado, disse Victor Paranhos, diretor-presidente da Energia Sustentável do Brasil (ESBR), responsável pelo empreendimento.

Segundo ele, o incêndio deixou as obras “semiparadas” durante sete meses. Em 2012, um novo quebra-quebra resultou em 60% do alojamento queimado e em mais transtornos. Nas obras civis, diz Paranhos, a empresa conseguiu recuperar parte do atraso com mais turnos de trabalho. A montagem das turbinas, no entanto, continua com defasagem. Além do descompasso entre obra civil e montagem eletromecânica, fontes afirmam que a ESBR também teve problemas com despacho aduaneiro de alguns equipamentos.

Produção

A Hidrelétrica Santo Antônio também sentiu os reflexos de confusões provocadas por trabalhadores, mas numa intensidade menor. Um executivo, em Brasília, que teve acesso ao processo da empresa, conta que dois problemas têm atormentado a vida dos sócios da Santo Antônio Energia (Odebrecht, Andrade Gutierrez, Cemig, Caixa Fip Amazônia Energia e Furnas). Uma delas é que as turbinas têm produzido menos do que deveriam.

Segundo a fonte, pelo contrato, a usina deveria produzir 99,5% da garantia física (limite de energia que pode ser vendida em contrato), mas só tem conseguido 81%. Como vendeu 91% da garantia física em contrato, ela tem de recomprar a diferença no mercado de curto prazo, cujo preço hoje está em R$ 581 o MWh – mas passou boa parte do primeiro semestre em R$ 822 o MWh, por causa do baixo nível dos reservatórios.

Além disso, durante as obras, a empresa pediu para a Aneel a antecipação da entrada em operação de algumas unidades geradoras, vendeu a energia no mercado livre e não conseguiu cumprir todos contratos. Só em abril, a conta quase beirou os R$ 500 milhões. Em maio, outros cerca de R$ 270 milhões estavam em aberto. Em ambos os casos, a empresa está amparada por decisão judicial, segundo comunicados da CCEE na época da liquidação financeira.

Nos processos na Justiça e na Aneel, a Santo Antônio Energia pede para postergar a entrega de energia no mercado cativo (leia-se distribuidoras de energia elétrica, que atendem consumidores residenciais, comerciais, rurais, etc). Assim, ela conseguiria cumprir os contratos no mercado livre. Por outro lado, aumenta a exposição das distribuidoras que estão sem contrato para cumprir 100% da demanda de seus consumidores.

Procurada, a Santo Antônio Energia disse que não poderia comentar o assunto porque está em período de silêncio. Mas de acordo com os autos de um processo julgado no Tribunal Regional Federal, entre dezembro de 2011 e dezembro de 2013, a empresa afirma que teve um prejuízo de R$ 228 milhões. Em outra ação, ela pede a devolução de R$ 410 milhões, que seria o valor pago entre 2012 e este ano.

No caso de Jirau, a liminar conseguida no fim do ano passado apontava para um valor extra de R$ 400 milhões que a empresa teria de desembolsar. Como a liminar ainda vale, a CCEE não inclui os montantes no ajuste de contas e fica difícil saber qual seria o débito da empresa.

Pelo cronograma original, Jirau deveria ter 36 turbinas em operação – os prazos foram revistos após os conflitos. Hoje só tem 11. Victor Paranhos afirma que, a partir de outubro, já conseguirá cumprir os contratos com as distribuidoras de energia. Até lá, outras cinco ou seis turbinas novas estarão em operação. “Em dezembro serão 20, mas temos uma meta arrojada de 27.” Em relação ao mercado livre, ele afirma que os sócios têm aceitado reduzir os volumes contratados. “Não fosse pelas liminares, estariam todos quebrados”, afirma uma fonte ligada aos sócios de Jirau. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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