Em meio a índices recordes de desmatamento e de queimadas no País, o problema não se resume à pouca destinação de recursos para a área. Até o fim de setembro, o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), responsáveis pela gestão ambiental, tinham R$ 384,9 milhões para, especificamente, ações contra o desmatamento e as queimadas. Dentro dessa cifra estão o orçamento federal, definido todo ano, pedidos de créditos extraordinários e emendas parlamentares. Ocorre que, até a última semana do mês passado, apenas R$ 83,5 milhões desse montante haviam sido efetivamente utilizados.
Os dados oficiais, que foram compilados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), apontam que outros R$ 187,5 milhões chegaram a ser empenhados – ou seja, reservados para pagamentos futuros -, mas isso não significa que esses repasses ocorrerão em 2021. Na prática, grande parte pode ser quitada só no ano que vem – quando haverá outro orçamento à disposição.
Parte dos recursos disponíveis neste ano se deve a um crédito extraordinário solicitado pelo próprio governo, após a pressão interna e externa que tem sofrido por causa do descontrole do desmate e das queimadas. Em junho, o Congresso Nacional votou a favor dessa ampliação, fazendo com que o orçamento inicialmente previsto – de R$ 135,1 milhões – chegasse aos atuais R$ 384,9 milhões. O efeito prático desse reforço, porém, não se vê nas florestas nacionais.
"O desempenho na execução mostra-se problemático, considerando-se o período mais crítico de incêndios e queimadas, entre julho e outubro, e o encerramento do ano fiscal a praticamente três meses", diz Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.
<b>SUCATEAMENTO</b>
Por trás da letargia dos órgãos ambientais em executarem seus trabalhos estão problemas como a falta de pessoal especializado, devido ao sucateamento progressivo do quadro profissional, além da nomeação de pessoal militar sem conhecimento técnico do setor. O cenário se agravou ainda mais neste ano, quando o Ibama ficou praticamente paralisado por três meses, com o afastamento de toda a cúpula do órgão, alvo de investigações da PF sobre possíveis esquemas de exportação ilegal de madeira – episódio que levou à queda do ex-ministro do MMA, Ricardo Salles.
A baixa execução orçamentária afeta as ações de combate em pleno período de estiagem. Até o fim de setembro, o Ibama tinha R$ 59,4 milhões para "prevenção e controle de incêndio", mas só R$ 14,9 milhões tinham sido sacados. No ICMBio, a cifra disponível contra as queimadas chegava a R$ 74,2 milhões e menos da metade – R$ 35 milhões – foi usada.
"A baixa execução, considerando-se o auge das queimadas, demonstra as dificuldades que o Ibama e o ICMBio têm para gastar recursos, problema que não pode ser dissociado da falta de pessoal nem do desmonte das normativas de fiscalização do órgão", comenta Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.
"Não adianta reforçar os recursos da fiscalização, por exemplo, e não ter servidores para julgar os processos sancionadores ambientais. O não julgamento tira toda a força dos autos de infração. Cabe lembrar que o País tem recursos disponíveis que não está usando, como os R$2,9 bilhões parados no Fundo Amazônia, desde janeiro de 2019", diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima.
Para 2022, o orçamento federal prevê R$ 327,8 milhões para ações de controle e combate ao desmatamento e queimadas em Ibama e ICMBio. A questão é saber do uso. Desde a tarde de segunda-feira, a reportagem questionou o ministério, o Ibama e o ICMBio sobre a inanição orçamentária. Em diversas ocasiões, voltou a cobrar um posicionamento dos órgãos. Não houve resposta até as 21 horas desta terça-feira.
<b>VALOR GASTO POR HECTARE</b>
Cerca de R$ 1,11. Esse é o valor que cada hectare de unidades de conservação do Brasil recebe, por ano, para que seja protegido, seja uma floresta que possa ser atingida por um incêndio ou uma reserva biológica no Atlântico que precise de ações para conservar sua fauna e flora marinha.
O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), que tem a missão de cuidar dessas áreas, está à frente de 334 unidades de conservação federais, que somam mais de 171,4 milhões de hectares. Até o fim de setembro, o recurso total destinado às atividades finalísticas do ICMBio, ou seja, aquelas voltadas diretamente à gestão e à proteção dessas unidades, chegava a R$ 191,7 milhões. Na média, R$ 1,11 anual para cada hectare.
Mantida a previsão de orçamento para 2022, o cenário não deve mudar muito. As ações somam R$ 205,8 milhões, o equivalente a R$ 1,20 por ano, para cada hectare.
O orçamento estrangulado do ICMBio tem sido utilizado pelo governo para justificar a transição dessas unidades de conservação para a gestão privada, o que teve início por meio do Programa Adote um Parque. A lista de áreas potencialmente abertas à "adoção", nos planos do governo, soma 132 parques com um valor previsto de R$ 3,2 bilhões ao ano, que seria aplicado em serviços como monitoramento, proteção, prevenção, combate a incêndios florestais e recuperação de áreas degradadas.
"Essas mudanças vão em uma direção clara de solapar as políticas ambientais e, em seu lugar, abrir espaço para um "ambientalismo de resultado" que, na prática, tem significado: privatização de parques, tentativa de flexibilização do licenciamento ambiental e enfraquecimento do papel do Ibama e do ICMBio na fiscalização ambiental", diz Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.
O governo chegou a anunciar um plano de fundir o ICMBio ao Ibama, mas um grupo de trabalho criado para avaliar os benefícios da fusão não conseguiu chegar a um resultado satisfatório. Neste ano, após forte pressão, foi anunciado um concurso público, com abertura de 739 vagas (568 para o Ibama e 171 para o ICMBio). O efetivo, porém, está longe de recompor o quadro. No Ibama, o déficit é de 2.311 servidores. No ICMBio, 1.317. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>