Variedades

Versão de Robin Hood carrega no exagero como forma de chegar à originalidade

Virou trocadilho infame, que tem sido repetido à exaustão desde que Robin Hood – A Origem estreou nos cinemas dos EUA. Explica-se – o filme teve talvez a pior abertura de um blockbuster do ano. Custou mais de US$ 100 milhões, rendeu a miséria de US$ 4,5 milhões. A partir daí, 11 entre dez resenhas têm feito piadinha. A história do ladrão que rouba dos ricos para dar aos pobres vai lhe roubar duas horas de vida. Haja mau humor. O diretor Otto Bathurst, que venceu o Bafta, o Oscar britânico, por Peaky Blinders e teve mais duas indicações por Criminal Minds e Five Days, não merece tanto desprezo. Seu filme possui qualidades.

Bathurst, de 47 anos, compartilha a estética pop de Guy Ritchie. Faz um Robin Hood para o século 21, com um gostinho de videogame. Filma cenas espetaculares. Os arqueiros disparam suas flechas voando nos ares e as carroças, quais bólidos envenenados, disparam velozes e furiosas pelas pontes e estruturas de madeira da Idade Média. E, como Guy Ritchie, que forjou seu rei Arthur, o poderoso Charlie Hunnam, num bordel, Bathurst filma uma bacanal muito louca – em homenagem a um prelado. Pecadores, arrependei-vos? Não. O lema é aumentem sua cota no inferno.

A “origem” no título revela a intenção. Bathurst não conta apenas a gênese do herói, conta também a do vilão, que ocorre ser um vilão da classe trabalhadora. Bernardo Bertolucci – Robin Hood incorpora os temas do herói e do traidor, uma cortesia, ou influência, do argentino Jorge Luis Borges, que curtia muito os mitos anglo-saxões, vale lembrar. Taron Egerton, o garoto de Kingsman – Serviço Secreto, agrega seu entusiasmo juvenil à saga do ladrão da floresta de Sherwood. Na trama, Robin é convocado pelo xerife de Nottingham para lutar nas Cruzadas. Deixa a bela mulher com quem acaba de casar – Marian – e ela, vale destacar, na primeira cena dos dois, está roubando um cavalo pertencente ao futuro marido, que pretende dar a um pobre. A origem da lenda, portanto, é ela.

Depois de um duro aprendizado na guerra, inclusive quando tenta, sem êxito, salvar a vida do filho de um guerreiro mouro, Robin volta para casa. Descobre que sua propriedade foi destruída, seus bens saqueados e a mulher se casou com outro – Jamie Dornan. É o lobo em pele de cordeiro. Will, é seu nome, lidera os mineradores, mas não está muito preocupado com a sorte deles. Só quer pavimentar sua trajetória para se sentar à mesa dos poderosos, um traidor, em suma, logo um vilão. Dornan traz para o lado sombrio do milionário da série 50 Tons. Um acidente vai expor essa sua ambivalência. Entre o herói e o traidor, a mocinha, Eve Hewson – filha de Bono, do U2 -, empodera-se como convém a uma mulher contemporânea e leva a própria luta contra o despotismo.

Pelo exagero assumido, ninguém é louco de fazer uma abordagem a sério de Robin Hood – A Origem, como Ridley Scott tentou fazer em sua recriação da lenda, com Russell Crowe e Cate Blanchett. Mas talvez se devesse, porque existe um aspecto não negligenciável e que talvez ajude a explicar o fracasso do filme. Não, não tem nada a ver com qualidade, ou falta de, mas na concepção de Otto Bathurst a Igreja de Roma, por meio de um cardeal corrupto que se aliou ao xerife para implodir a Cruzada, está indo contra o fundamentalismo cristão que se constitui na base do presidente Donald Trump. Esse eleitorado não quer ver seu prelado numa bacanal nem comprometendo o valor estratégico/espiritual de Jerusalém para a civilização ocidental.

E ainda falta o mouro, Jamie Foxx. O cinema contou muitas vezes a história de Robin Hood – olhe as fotos -, mas é preciso remeter à versão de Kevin Reynolds, de 1991, em que Kevin Costner volta da Cruzada com o mouro Morgan Freeman. Jamie Foxx, o árabe!, é quem forja o herói e fornece o eixo moral do novo Robin Hood. Nada menos contrário ao espírito do tempo. Independentemente das questões, digamos, políticas, a diversão impõe-se.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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