Jesuíta Barbosa ri ao perceber as reações acaloradas provocadas por seu personagem Vicente, na série Justiça, da Globo. “Esse Vicente é louco de pedra. Era pra sair diretamente para um hospício”, tuitou uma espectadora. “Mata a filha da mulher e quer perdão? Amigo, para de maluquice”, reagiu outra. “Eu entendo essas manifestações, mas também entendo os motivos de Vicente, que é um personagem muito parecido com pessoas com quem já convivi”, reage o ator.
Antes da explicação de Jesuíta, vale lembrar que Justiça estreou há duas semanas causando assombro ao mostrar uma trama por dia da semana, histórias de pessoas levadas a praticar um tipo de crime que vai levá-las à prisão. E, logo na estreia, o público conheceu a história de Elisa (Débora Bloch), advogada que acompanhou aterrorizada a única filha, Isabella (Marina Ruy Barbosa), ser assassinada pelo noivo, Vicente, enquanto tomava banho nua com o ex-namorado. O fato trágico motivou um plano de vingança no dia em que ele deixou a prisão, sete anos depois do crime. Débora e, em especial, Jesuíta colecionaram elogios pela atuação.
“Venho do interior do Nordeste, onde conheci rapazes com o mesmo perfil de Vicente”, conta Jesuíta, nascido há 25 anos em Salgueiro, interior de Pernambuco. “A memória sertaneja que tenho de menino foi formada por histórias de pistoleiros e brigas de família que terminavam em sangue. Assim, quando construí a personalidade de Vicente, pensei em alguém forte em bravura, mas fraco para o amor.”
O ator conta com o valioso apoio de Chico Aciolly, diretor que, em Justiça, trabalha na preparação de elenco. Chico estimulou improvisações que duravam mais de uma hora a partir de um tema e nas quais Jesuíta exercitava a liberdade criativa. “Isso me ajudou a entender o realismo pedido pelas cenas da série”, conta o ator. “Jesuíta tem um raro tipo de talento”, observa Aciolly. “Ao entender a intenção da cena, ele avança para diversos campos sem receio de errar. Uma convicção que torna sua atuação incrivelmente verdadeira.”
De fato, Jesuíta é um entrevistado natural, absorvente – pungentemente engraçado, mordaz e sagaz. Por vezes, esconde-se por trás dos óculos, mas, quando se sente motivado, desnuda os olhos e impressiona seu interlocutor pelo olhar cativante, expressivo, que revela intenções antes mesmo de brotarem as palavras e surgir uma interpretação visceral.
Difícil saber por que Jesuíta Barbosa é tão fascinante. Não é Cauã Reymond. Tem algo a ver com o espaço que ele cria à sua volta, a estranha característica por vezes feminina de sua interpretação. Nunca se sabe totalmente quem ele é.
Característica que o torna versátil e que o diferencia desde o início de sua carreira, em um papel que seria secundário no filme Tatuagem, dirigido por Hilton Lacerda e lançado em 2013. O jovem ator viveu Arlindo, soldado de 18 anos que se apaixona por um agitador cultural, dono de um cabaré anarquista, onde ele ganha uma nova alcunha e se transforma em Fininha. Personagem contraditório, pois conciliava a repressão e o desbunde, mas coerente para um jovem que, dentro da tela, revelava as dificuldades típicas de um homem em formação, fase, aliás, também então vivida por Jesuíta, já muito maduro no caráter.
Ele vivenciou Tatuagem em uma fase importante. “Quando participei da seleção, estava com 17 anos e, quando as filmagens começaram, estava com 19.” Vindo de uma família com pouca intimidade com a arte, Jesuíta ainda ensaiava a decisão de romper aquela barreira quando assistiu ao delicado O Céu de Suely, dirigido por Karim Aïnouz em 2006. “Fiquei chapado, impressionado com aquela forma de se contar uma história”, relembra ele, ainda sem saber que aquele impacto revelava, na verdade, a descoberta de um estilo da sua própria forma de atuar.
Afinal, em O Céu de Suely, Aïnouz optou pelo minimalismo, com tempo para o silêncio, o gesto, a dança, que revelam justamente o que o personagem procura manter em segredo.
E é esse caminho surpreendente habitualmente trilhado por Jesuíta. O que tornou inevitável seu encontro com o cineasta em 2014, no filme Praia do Futuro. Aqui, o ator vive Ayrton, irmão do salva-vidas Donato (Wagner Moura), que trocou o Ceará pela Alemanha, onde inicia um romance com o alemão Konrad. O reencontro entre eles ocorre em um momento explosivo, anos depois da saída de Donato do Brasil e se explica pelo fascínio que o caçula ainda tem pelo mais velho: quando Donato volta a seu apartamento, é surpreendido por um soco de Ayrton ao sair do elevador.
A cena impressionou Aïnouz pela intensidade e veracidade e, na época, Jesuíta contou ao Estado que foi criado um estado de fragilidade, de tensão, próprio para uma explosão sentimental. “Aquilo saiu tudo num jorro – o amor, o ódio, a agressão. Uma coisa muito física.”
O equilíbrio entre mental e físico, entre a interpretação expansiva e a minimalista, tudo conspira para que Jesuíta se consolide como um ator camaleônico. Seu currículo inclui outras participações no cinema como Cine Holliúdy, Jonas e Reza a Lenda, e outras tantas na televisão, como as minisséries Amores Roubados, Ligações Perigosas e Nada Será Como Antes, esta ainda por estrear.
E, quando se espera já ter visto todos os recursos cênicos de José Jesuíta Barbosa Neto (ele mantém a tradição familiar), ele volta a surpreender. Como em Malasartes e o Duelo com a Morte, longa de Paulo Morelli que deve estrear em abril de 2017. Ali, ele vive o malandro que, com sua lábia, prega peças em comerciantes e se aproveita da boa vontade alheia. Ou em O Grande Circo Místico, o próximo Cacá Diegues, também previsto para o próximo ano, em que interpreta o dono de um circo que vive mais de 100 anos sem sofrer alterações físicas. “Filmamos em Portugal, onde ainda é possível um circo ter animais e meu maior desafio foi encenar com diversos elencos”, explica ele, com uma espécie de graça natural, sua elegância simples, mas uma presença jamais anônima.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.