Um político veterano do regime anterior, que concorreu com uma plataforma de restaurar o prestígio do governo, assumiu a liderança na primeira eleição presidencial livre da Tunísia, neste domingo. Mas as pesquisas de boca de urna indicam que será necessário um segundo turno para decidir quem será o presidente.
Beji Caid Essebsi, de 87 anos, repetiu o sucesso de seu partido Nida Tunis na eleição legislativa de outubro e obteve 47% dos votos neste domingo, enquanto o presidente interino Moncef Marzouki ocupava a segunda colocação com 27%, de acordo com uma pesquisa de boca de urna; outras pesquisas davam números semelhantes. Os dois deverão disputar um segundo turno em 28 de dezembro.
A equipe de Marzouki contesta os números das pesquisas. O resultado oficial deve sair nos próximos dias; segundo a Comissão Eleitoral, cerca de 52% dos 5,3 milhões de eleitores registrados participaram da votação – menos do que os 69% que votaram na eleição legislativa.
A disputa parecia ser uma escolha entre o temor quanto à segurança e a esperança nas liberdades trazidas pela revolução tunisina que inaugurou a chamada Primavera Árabe em 2010. Simbolicamente, Essebsi representa a estabilidade e a tradição dos regimes autocráticos que governaram a Tunísia desde que o país se tornou independente da França, em 1956; Marzouki representa o fervor revolucionário que levou à derrubada do presidente Zine El Abidine Ben Ali, que hoje vive no exílio na Arábia Saudita.
A transição política relativamente tranquila na Tunísia contrasta com a turbulência vivida por outros países atingidos pela Primavera Árabe, em especial a Líbia, onde as milícias que derrubaram o regime do coronel Muamar Kadafi parecem próximas de uma guerra civil, o Egito, onde um regime militar imposto por um golpe substituiu o governo eleito, e a Síria, onde o governo do presidente Bashar al-Assad resiste a uma rebelião armada e a ataques aéreos dos EUA e de seus aliados.
Na Tunísia, os quatro anos passados desde a revolução têm sido marcados por inquietação social, ataques terroristas esporádicos e inflação elevada, mas as instituições sobrevivem. A crise econômica levou os eleitores a punir os islamitas moderados que assumiram o poder depois da Primavera Árabe. O partido Nida Tunis elegeu 87 dos 217 deputados; o governista Ennahda elegeu 69.
“O que mais me preocupa quanto ao futuro é o terrorismo. Agora mesmo, não sabemos quem entra no país, e isso é um problema”, disse Amira Judei, de 21 anos, que votou na cidade de Kasserine, no Sul da Tunísia, próxima da fronteira com a Argélia. Em lugares como Kasserine, os horários de votação foram mais curtos por causa de temores quanto à segurança. Judei ressalvou que “a prioridade mais importante é o desemprego”. A revolução começou no empobrecido sul do país e a taxa de desemprego, em 15%, é quase o dobro entre os jovens.
Dos 21 candidatos que disputaram o primeiro turno, Essebsi “é um político veterano, com experiência, que pode garantir segurança e estabilidade”, disse o motorista Mouldi Cherni, que vive em Cartago, nos arredores de Túnis. “As pessoas estão cansadas, a vida ficou cara e os tunisianos não têm nem o suficiente para fazer uma ojja”, acrescentou, referindo-se à omelete local.
Greves, distúrbios sociais e o ocasional assassinato político têm mantido os investidores estrangeiros à distância. Em Kasserine, o vice-prefeito Ridha Abassi disse que a maioria dos eleitores da cidade votou pelos islamitas no passado, mas preferiu o Nida Tunis na eleição perlamentar e parece ter feito o mesmo neste domingo. “Muitas dessas pessoas votaram no governo do partido Ennahda em 2011, e o resultado foi terrorismo e abuso de poder. Embora saibam que o Nida Tunis tem em seu interior muitos seguidores do antigo regime, as pessoas estão votando nele para negar poder ao Ennahda”, afirmou Abassi.
O Ennahda renunciou no começo deste ano, em favor de um governo de tecnocratas, e preferiu não apresentar candidato à Presidência, embora muitos de seus membros apoiem Marzouki.
Chakib Romdhani, um cineasta de 31 anos que participou do levante contra o regime de Ben Ali, mas nunca havia votado antes, disse que ficou dividido entre a possibilidade de uma nova ditadura e a turbulência dos anos recentes. “Sinto um grande medo de aqueles que participaram do antigo regime se tornarem mais poderosos. Mas tenho outro medo, que vem da experiência dos três anos da presidência de Marzouki, de ver o país desmoronando lentamente”, afirmou. Fonte: Associated Press.