Estadão

Viagem de Bolsonaro ao Oriente Médio teve ambiente controlado

Os países árabes do Golfo Pérsico deixaram Jair Bolsonaro mais à vontade. Em ambiente controlado, muito menos hostil do que a Cúpula do Clima (COP 26) na Europa, da qual escapou, o presidente fez seu contraponto durante a segunda passagem pelo Oriente Médio. Nos Emirados Árabes Unidos (EAU), no Bahrein e no Catar, todos de regimes políticos autoritários, Bolsonaro insistiu numa versão fantasiosa de que a Amazônia não queima, posou de estadista para atrair investimentos ao País, com novas promessas, e tentou romper o isolamento internacional.

O giro de seis dias pelo Golfo Pérsico ganhou outra dimensão depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, virtual adversário em 2022 na disputa pelo Palácio do Planalto, desembarcou na Europa. Lula fez críticas ao governo, foi aplaudido no Parlamento Europeu e se encontrou com o presidente da França, Emmanuel Macron, desafeto de Bolsonaro.

De volta ao Brasil, Bolsonaro atacou Lula e, em transmissão ao vivo pelas redes sociais, nesta sexta-feira, 19, chamou de malucos os deputados que bateram palma para o petista. "Tem maluco em tudo quanto é lugar", afirmou ele.

Nos Emirados Árabes Unidos, o presidente saiu nas páginas do jornal Gulf Today ao lado do príncipe herdeiro de Abu Dhabi, xeque Mohamed bin Zayed Al Nahyan, considerado pelo The New York Times como o líder árabe mais poderoso da atualidade. MBZ, como é conhecido, é quem manda no país de fato, por motivos de saúde do presidente, xeque Khalifa bin Zayed Al Nahyan, seu pai.

A foto teve mais destaque do que o texto, acrítico. O jornal não embarcou no enredo de Bolsonaro de que a Amazônia está intacta. Apenas noticiou de forma protocolar que eles discutiram cooperação entre dois países amigos e que o brasileiro teria felicitado o príncipe MBZ pelo fato de os Emirados Árabes Unidos serem a próxima sede da COP 28, daqui a dois anos.

O encontro, num palácio em Abu Dhabi, animou integrantes da comitiva brasileira. Bolsonaro chamou na última hora o ministro da Economia, Paulo Guedes, para mostrar a carteira de projetos e tentar atrair "petrodólares", fixação do chefe da equipe econômica na missão internacional. Guedes cancelou, então, três reuniões que faria em Dubai com o ministro da Economia local, com a DP World, que atua em portos no Brasil, e com o fundo soberano Investment Corporation of Dubai. Relatou, depois, que Bolsonaro foi muito bem tratado e gosta desse tipo de conversa.

"Esses caras são tipo o presidente. O presidente olhou para o cara, gostou do jeitão; o cara olhou para o presidente, gostou do jeitão. A palavra que mais se falou foi confiança", disse Guedes. O ministro afirmou que os fundos emiráticos já investiram U$ 5 bilhões no Brasil nos últimos três anos e prometem mais U$ 10 bilhões para os próximos anos.

<b>Futebol na roda
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Houve até uma "disputa" futebolística para ver quem emplacaria seu clube quando os xeques mostraram interesse em comprar times de futebol no Brasil. Bolsonaro sugeriu o Palmeiras, Guedes propôs o Flamengo e Flávio, o Vasco.

Um diplomata que presenciou o tête-à-tête entre Bolsonaro e o príncipe definiu a conversa como "substantiva", fora dos padrões de encontros assim no mais alto nível político. Mas disse que a concretização de investimentos de fundos soberanos tende a demorar algum tempo, pois os xeques são cautelosos e "o mundo todo corre atrás do dinheiro deles".

"Nossa relação é uma das melhores, muito amistosa", afirmou o parlamentar e empresário Saeed Alaabdi, que representa Ras Al Khaimah, emirado ao Norte da Península Arábica, e trabalha no grupo de amizade entre Brasil e EAU.

Diplomatas da área de promoção do comércio citaram que a confiança entre os países aumentou porque Bolsonaro não limitou exportações de alimentos, como frango e arroz, durante o período mais crítico da pandemia de covid-19, o que garantiu o abastecimento no Golfo Pérsico.

Em Dubai, Bolsonaro seguiu o cerimonial das atividades ao lado das autoridades locais, mas escapou da agenda antes para visitar o Burj Khalifa, edifício mais alto do mundo. Sem que informasse o compromisso, apareceu em jantar de cunho político oferecido pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), numa churrascaria rodízio. Também aproveitou para visitar um campeonato de jiu-jitsu em Abu Dhabi, há anos uma modalidade que os árabes importaram do Brasil. E no Catar passeou de moto com um clube local, deslocando-se até o estádio Lusail, que será palco da final da Copa do Mundo em 2022.

O presidente também foi recebido como chefe de Estado em Doha pelo emir do Catar, xeque Tamim bin Hamad Al Thani, e visitou o rei do Bahrein, Hamad bin Isa Al Khalifa em Manama, onde inaugurou a primeira embaixada de seu governo.

Bolsonaro não foi incomodado com questionamentos e tampouco incomodou. Em discurso na Expo Dubai, o principal, afirmou apenas que no Brasil a liberdade e a democracia são bens maiores do povo – o governo local é uma monarquia. Em seguida, agradeceu os emiráticos por respeitarem as diferenças e disse que os povos dos dois países são "cada vez mais parecidos". O paralelo mais provável é que a população de expatriados é a maior dos EAU e o Brasil, destino tradicional de imigrantes.

O <b>Estadão </b>presenciou, por duas vezes, hostilidades pontuais ao presidente. Foram gritos de "Fora, Bolsonaro" e "Genocida" de três jovens brasileiras que o encontraram enquanto ele circulava na Expo 2020 Dubai. Os integrantes da comitiva chegaram a rebater o ataque, embora o presidente não tenha esboçado reação.

Quem quebrou o protocolou foi a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que o acompanhava no giro árabe. Na Expo Dubai, ela entrou no espelho dágua do pavilhão brasileiro e se deitou numa rede, como se estivesse numa praia.

Também na feira, Bolsonaro preferiu andar a pé em vez de usar carrinhos de golfe, caminhando alguns quilômetros dentro da Expo, um percurso cansativo. Mesmo cercado por seguranças, conseguiu ir ao encontro de seus apoiadores. Foi a forma de garantir as imagens que o mostram como bem recepcionado lá fora.

A bolha bolsonarista na internet era alimentada no Brasil por conteúdo publicado pelo deputado Eduardo Bolsonaro e pelo senador Flávio Bolsonaro, os dois filhos que acompanharam o presidente. Esse também foi o papel de assessores no Palácio do Planalto e de alguns políticos amigos que se integraram à comitiva, como o ex-senador Magno Malta (PL-ES), o vereador em Belo Horizonte Nikolas Ferreira (PRTB), o advogado Sérgio Sant Ana, do Instituto Conservador Liberal, e o treinador de jiu-jitsu Renzo Gracie, fã do presidente e celebridade nos Emirados Árabes Unidos.

Todos contestavam o isolamento de Bolsonaro na arena global, fartamente documentado durante a reunião do G-20, na Itália. Para rebater esse fato, publicaram imagens do presidente circulando entre fãs. O 15 de novembro era o Dia do Brasil na Expo Dubai e delegações de empresários do agro e também de industriais, como a turma de Minas Gerais, serviram de claque para o presidente.

A contraofensiva ignorava que a falta de diálogo internacional não será superada com selfies entre turistas brasileiros no exterior, mas, sim, com reuniões bilaterais com líderes globais influentes. Bolsonaro nunca conversou, por exemplo, com o presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, a quem considera "um pouco fechado".

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