O avanço da tecnologia auxilia o cotidiano das empresas, mas pode gerar grandes problemas nas relações trabalhistas. O uso excessivo de aplicativos de celulares e redes sociais podem se tornar uma “arma” contra o empregado, levando-o a sofrer punições e, no limite, a ser demitido por justa causa. A falta de bom senso e até o risco para a segurança do meio ambiente de trabalho são causas que provocam uma série de conflitos entre empresários e trabalhadores.
Segundos especialistas, o “vício” crescente pelo uso dos celulares e da necessidade de interagir e “espiar” as redes sociais é responsável pela queda de rendimento do trabalhador e, em alguns casos, pode colocar em risco a segurança das pessoas que trabalham no mesmo ambiente. “A utilização de celulares e smartphones em excesso tira o empregado do foco de sua função, acarretando em perda de produtividade. Atrativos para isso não faltam. A tecnologia existente nesses aparelhos torna possível que funcionários se mantenham conectados com parentes e amigos por meio das mais diversas redes sociais e comunicadores instantâneos, por exemplo”, observa o advogado Watson Pacheco do escritório Yamazaki , Calazans e Vieira Dias Advogados.
O advogado de Direito do Trabalho Flávio Figueiredo, do escritório Baraldi Mélega Advogados, avalia que a utilização de smartphones em excesso pode comprometer a produtividade do empregado e são passíveis de punição.
“Existem atividades em que uma leve distração durante determinada operação pode colocar em risco a segurança do trabalhador, sendo inevitável que o uso de celular em tais casos seja rigorosamente restrito. A empresa poderá aplicar punições gradativas ao funcionário, começando com uma advertência verbal, passando por suspensões e até mesmo a mais grave punição, a dispensa por justa causa, a depender do caso”, explica.
Figueiredo ressalta que o rigor da restrição quanto ao uso de celular durante o trabalho deve ser analisado sob a ótica do tipo de atividade desenvolvida pelo empregado. “Importante sempre deixar o trabalhador ciente de seus limites, seja a restrição total em determinada tarefa ou cargo, seja quanto ao uso excessivo que acarrete o comprometimento de sua produção”.
O advogado Ruslan Stuchi, especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Stuchi Advogados, pontua que o funcionário, quando está a serviço da empresa, deve evitar o uso excessivo dos meios tecnológicos que não sejam voltados para a sua atividade laboral.
“O empregado deve focar seus objetivos quando se coloca a prestar serviço a uma empresa, no andamento de seu trabalho. O ideal é evitar as redes sociais. Entretanto, se for de extrema necessidade, ele pode acessar o seu celular e suas redes, mas deve deixar o seu superior sempre a informado de que está passando por algum problema e que deverá estar de prontidão ao seu chamado”, orienta.
Limites
E, de olho na produção do empregado, a empresa pode proibir ou limitar o uso das redes sociais, dos aplicativos e até do acesso ao celular.
O doutor em Direito do Trabalho e professor da pós-graduação da PUC-SP Ricardo Pereira de Freitas Guimarães afirma que durante a jornada de trabalho a empresa pode proibir e bloquear o acesso do trabalhador a estes meios tecnológicos. “Entretanto, é importante esclarecer que a empresa precisa informar de forma clara ao trabalhador que existe este tipo de restrição. Isso pode ser feito por meio de uma norma ou comunicado interno”, diz.
A principal pergunta dos trabalhadores é, segundo o advogado Watson Pacheco, se essa restrição é legal. “Entende-se que, desde que o empregado tenha à disposição um telefone no qual esteja comunicável com pessoas que estão fora do ambiente de trabalho (familiares, por exemplo), é possível, sim, exigir que o mesmo desligue seu celular e o deixe assim durante a prestação do serviço”, revela.
Flávio Figueiredo defende que a empresa deve orientar os empregados sobre os cuidados e restrições para o uso de celulares e redes sociais. “O empregador tem o dever de orientar os empregados quanto às boas práticas, especialmente aquelas voltadas à segurança no ambiente de trabalho. Assim, é importante que restrições sejam fixadas em normas internas da empresa, painéis de avisos ou murais, tudo em conjunto com fiscalização contínua de seu cumprimento”, alerta.
Justa causa
Assim, os funcionários que, mesmo com todas as orientações e regras estabelecidas pelos patrões, não tiverem bom senso no uso dos meios tecnológicos poderão ser punidos, inclusive com a demissão por justa causa, quando a conduta for considerada grave ou contínua.
De acordo com Ruslan Stuchi, as leis trabalhistas estabelecem que a justa causa é configurada por faltas reiteradas, com um grau elevado de intensidade, que violam as obrigações e deveres impostos pela empresa. “Existem três elementos principais para a efetivação da justa causa, são esses: gravidade, atualidade e imediação. Assim, não se pode tentar punir ato posterior, ou seja, deve ser uma atitude grave e que deve ser punida de imediato. A configuração pode ser através de um ato reiterado de insubordinação ou de indisciplina”.
Casos
Watson Pacheco destaca, por exemplo, que em hipótese nenhuma o empregado pode publicar imagens com produtos, serviços ou locais da empresa na internet, sem a devida permissão. “O empregado não pode dispor o que não é seu, sob pena de justa causa, conforme artigo 482 da CLT. A dispensa é devida, mas o empregado deve antes ser advertido. Em caso de reincidência, será suspenso. E em caso de repetição do ato, será demitido por justa causa”.
Esse foi o caso de uma enfermeira que foi demitida por justa causa após publicar fotos suas no ambiente de trabalho. A profissional estava em plantão no hospital que trabalhava, em Pernambuco, quando resolveu tirar fotos em um momento de descontração. Depois, postou as imagens em sua página no Facebook. Ao demitir a funcionária, o hospital alegou que a empresa foi exposta sem autorização e serviu como pano de fundo para brincadeiras desrespeitosas com os pacientes.
Em outro um caso recente, a Justiça do Trabalho confirmou a demissão por justa causa um serralheiro que, mesmo advertido várias vezes, não cumpriu a regra de segurança da empresa que vedava o uso do telefone celular durante o horário de expediente. A execução do seu serviço envolvia manipulação de máquinas de corte, de polimento e soldas, além de produtos químicos com algum grau de toxicidade. Por conta do risco, e de maneira a não haver distrações, era norma da empresa que não se utilizasse o celular durante o expediente.
A desembargadora responsável pelo julgamento considerou que o trabalhador colocou em risco a sua vida e a segurança dos demais colegas que estavam no mesmo ambiente e confirmou a justa causa.
A demissão por justa causa é a penalidade mais grave que um empregador pode aplicar sobre um funcionário, pois permite a rescisão do contrato sem ônus para a empresa. “O funcionário demitido não tem direito a receber os valores referentes a aviso prévio, férias proporcionais, multa de 40% sobre o valor depositado no FGTS, e ainda não pode acessar o dinheiro acumulado no FGTS e perde o direito a receber o seguro-desemprego. O empregado apenas terá direito ao saldo de salário, salário-família e férias vencidas, se houver”, explicam os especialistas.
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