Quem já se deu o trabalho de estudar a biografia de Vinicius de Moraes sabe. Na vida afetiva dele o status de amigo era o único que rivalizava em relevância com o de namorada. Conquanto o poeta fosse um imbatível mulherengo, a ponto de se ter casado nove vezes.
No entanto, Vinicius é lembrado pelo teatrólogo Mário Prata, numa crônica divertida, como exemplo máximo de homem fascinado pelas mulheres, que – como todos os outros, segundo o cronista -, gostam mesmo é de companhia masculina. Peculiaridade esta que seria revelada, sobretudo, nos bares e nos campos de futebol.
Os cem anos passados desde o nascimento de Vinicius foi comemorado, há poucos dias, pelas emissoras de televisão com a divulgação de uma enxurrada de depoimentos de mulheres e amigos dele. Curiosamente, vários destes depoimentos pareceram confirmar o inesperado ponto de vista de Mário Prata. Por exemplo, todo mundo sabe que o violonista Toquinho, por muitos anos e até a morte de Vinicius, foi companheiro dele em criações de músicas, shows e viagens. Naquelas comemorações, Toquinho lembrou que o poeta dizia, brincando, manter entre eles dois “um casamento sem sexo”. O violonista revelou, então, o motivo de o poeta ter se intrometido na parceria dele com Chico Buarque na criação da música “Samba de Orly”: ciúme. Já Carlos Lyra, companheiro mais antigo, da Bossa Nova, lembrou que Vinicius o chamava, com afeto, de “Parceirinho”. E Gilda Matoso, a nona e última esposa de Vinicius, revelou ter, um dia, encontrado o poeta chorando, enquanto, por imposição médica, pedalava uma bicicleta ergométrica, na casa deles. Para ela Vinicius confessou que estava triste porque, com o exercício físico, fora obrigado a quebrar um antigo pacto feito com o jornalista Antônio Maria, àquela altura já falecido. Quando os dois estiveram numa praia – revelou Vinicius -, tinham visto banhistas entregues à ginástica de areia, e, em reação, prometeram que jamais fariam qualquer movimento corporal “inútil” como o deles.
Na verdade, não é difícil entender por que Vinicius valorizou tanto estes amigos, parceiros dele na área musical. Afinal, foi com estes amigos que Vinicius compartilhou a única experiência humana comparável com a da geração de um filho – a da criação artística.
Um único destes amigos mereceu ser designado por Vinicius com a sagrada palavra Poesia: Jayme Ovalle, compositor de “Azulão”.
O modo como o poeta se expressava mereceu registro na crônica “Um gerador de Poesia”, de Fernando Sabino. Dizia Vinicius sobre Jayme: “É o poeta em estado virgem. A mais bela crisálida de poesia que jamais existiu, desde William Blake. É o mistério poético em toda a sua inocência, em toda a sua beleza natural. É voo, é transcendência absoluta. É amor em estado de graça”.
Hoje, certamente, pouca gente sabe hoje quem foi Jayme Ovalle. Que pena!