Mundo das Palavras

“Vinicius foi meu pai mais íntimo”, Chico Buarque

Seria impossível quantificar o número de brasileiros sensibilizados pelas músicas e pelos livros de Chico Buarque.

A necessidade de entender emoções e vivências deste artista – sobretudo, as de sua infância e adolescência, tão relevantes na moldagem da sensibilidade e da personalidade de um ser humano – advém de uma mistura de compromisso e gratidão. Mas as pistas deixadas pelo próprio artista confundem.

Pela figura de seu pai, o erudito historiador Sérgio Buarque, Chico não cansa de expressar admiração, em suas entrevistas. É gritante a influência de Sérgio em sua trajetória artístico-existencial. Embora tenha obtido raro êxito como artista da Música Popular Brasileira, Chico aos poucos, foi se aproximando do ofício de escritor de Sérgio. Até se firmar e se consagrar no campo da Literatura. Sequer ele é conhecido como músico em alguns países, onde seus livros são vendidos.

Mas admiração não é amor. E isto pareceu emergir neste trecho de uma entrevista dele, dada, em 1986, a Roberto Dávila, na extinta TV Manchete:

ROBERTO: O Sérgio era um grande intelectual. Então, a casa vivia cheia de gente importante. Você foi criado no meio destas pessoas? 

CHICO: Você falou de infância. Pois bem, meu pai não pertence muito à minha infância. Na verdade, aquela figura, como intelectual, trabalhava muito. Lia muito. Vivia no escritório. Fui travar contato com meu pai, quase adolescente. Não posso dizer que ele tenha sido uma figura muito importante, na minha infância. Para a minha infância. Quem acompanhava meus estudos era minha mãe. E, minha babá índia, que também ajudou a me criar. Papai não”.

Significativamente, na sequência desta resposta, Chico introduziu Vinicius de Moraes.

CHICO: – Havia as pessoas ilustres, importantes que apareciam lá em casa. E que eu olhava como… pessoas ilustres. Que conversavam coisas, que eu não entendia. Eram pessoas brilhantes, que depois fui conhecer e admirar. Como meu próprio pai. A não ser em Roma. Vinicius, na época em que andava por lá, como diplomata. Ele levava violão e cantava. E aí, claro, criança entendia.

As duas figuras, Chico parecia ter fundido, muitos anos depois. Trecho de sua entrevista a Elifas Andreato, publicada na edição de agosto de 2007, do Almanaque Brasil:

ELIFAS: Entre as principais influências artísticas de muita gente da música brasileira está Vinicius de Moraes. Ele, amigo de seu pai, foi também importante na sua formação, na escolha de sua carreira?

CHICO: Vinicius foi um grande amigo meu. Mas, no fundo, nunca deixei de vê-lo como uma extensão do meu pai. Era uma espécie de meu pai. Mais doido. Que me acompanhava, por aí. Um papai de noitadas, bebedeiras e confissões exaustas. Era, às vezes, o meu pai, em versão criança. E acabou sendo um meu pai mais íntimo. Mas, muita coisa que vi no Vinicius já tinha aprendido com meu pai.

(Ilustração: Vinicius e Chico)

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