O Partido Democrata obteve a maioria na Câmara dos Deputados, em novembro, elegendo um grupo diverso e rejuvenescido, o que confirma uma tendência. Nos últimos anos, principalmente após a eleição de Donald Trump, o partido vem se tornando menos moderado e caminhando mais para a esquerda, o que pode ser um obstáculo na corrida presidencial de 2020.
Em entrevista ao Estado, Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, disse que a radicalização dos democratas, que ele chama de “socialistas”, é uma reação à eleição de 2016. A guinada se dá não só nos novos membros, mas também nas bandeiras do partido, o que pode ser um desafio para os candidatos no ano que vem.
Pela primeira vez, a maioria (51%) dos democratas consultados pelo instituto Gallup se define como esquerdista. Em 1994, metade se dizia moderada, enquanto a outra metade se dividia entre esquerdistas e conservadores.
Novo rosto
Alexandria Ocasio-Cortez é a mais jovem deputada eleita para a Câmara e parte da ala mais à esquerda do partido. Rapidamente, AOC, como é chamada, se tornou uma das principais vozes democratas, usando com maestria as redes sociais.
Ocasio-Cortez é o rosto por trás do projeto apelidado de “Green New Deal”, um ambicioso plano ambiental, apresentado em fevereiro, que propõe um novo modelo que elimine a poluição, enfrente a mudança climática e transforme a economia por meio da adoção de energias limpas e renováveis até 2050.
“Os democratas estão cada vez mais à esquerda e, provavelmente, AOC seja a face mais visível deste movimento”, diz Gary Nordlinger, especialista em estratégia política e professor da Universidade George Washington.
Segundo ele, a guinada é um teste para os democratas. Ocasio-Cortez foi eleita por um distrito do Estado de Nova York predominantemente democrata. Em tese, isso lhe dá mais liberdade para defender pautas radicais sem correr o risco de perder o mandato.
No entanto, há congressistas democratas que foram eleitores por distritos tradicionalmente republicanos, de centro-direita e mais conservadores. Este cenário torna mais difícil uma reeleição caso o deputado adote uma agenda muito à esquerda. “A radicalização pode prejudicar os democratas”, afirma Nordlinger. “No entanto, muitos deles dizem que não. Eles acreditam que são essas ideias mais radicais que estão levando as pessoas às urnas.”
A análise de Nordlinger refere-se ao fato de o voto nos EUA não ser obrigatório. Por isso, em temporada de eleição, democratas e republicanos precisam adotar bandeiras que empolguem suas bases, para que seus eleitores saiam de casa para votar.
Até agora, mais de 20 candidatos democratas já se lançaram na disputa pela vaga do partido na eleição presidencial de 2020. Pesquisas sugerem que há uma tendência de maior apoio a nomes moderados, como Joe Biden, que foi vice-presidente de Barack Obama, entre 2009 e 2017.
Agenda
A posição média dos democratas no espectro político também mudou nos últimos anos. Hoje, os eleitores do partido defendem pautas consideradas mais progressistas e concordam, por exemplo, que os sindicatos devem ter maior influência. Por isso, muitos temas oferecem o risco de rachar o partido entre moderados e radicais.
“A redução da desigualdade e as mudanças climáticas têm um apelo geral entre os membros do partido. Mas, ao mesmo tempo, os democratas podem alienar elementos de centro-direita em questões sociais, em temas ligados ao sistema de saúde e gastos com Defesa”, diz a pesquisa do instituto Gallup.
Trump une opositores
O mais importante elemento agregador dos democratas ainda é a oposição a Donald Trump. Segundo pesquisa Gallup, 82% dos democratas conservadores, 91% dos moderados e 96% dos esquerdistas desaprovam o governo republicano.
Com isso, a lista de candidatos em 2020 tende a crescer e a radicalização será crucial. Howard Schultz, ex-CEO da Starbucks, decidiu se lançar candidato independente por apostar que os democratas escolherão um nome de esquerda. Se o partido optar por alguém de centro, ele diz que abre mão da candidatura.
Trump e os republicanos têm adotado a estratégia de associar os democratas ao socialismo. Em discurso recente no Texas, o presidente acusou os democratas de terem se tornado o partido do “socialismo, do aborto, das fronteiras abertas e do crime”. “Os republicanos fazem tudo o que podem para apontar os democratas como um partido de esquerda, porque eles não estão se conectando com a maioria dos americanos”, disse Joel Benenson, ex-estrategista da campanha de Hillary Clinton, em comentário à rede MNSBC.
Para Gary Nordlinger, da Universidade George Washington, apesar de caminharem cada vez mais à esquerda, os democratas estão longe da definição clássica de socialismo. “Se olharmos bem, os democratas não passam nem perto. Pelos padrões internacionais, eles são social-democratas. Estão muitos mais próximos de partidos ligados aos trabalhistas no padrão europeu”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.