“A cor dos olhos e o tom de pele inspiram a criação.” Pode parecer poesia, mas é a frase que guia o trabalho do visagista e ator Leopoldo Pacheco. E nessa ordem, pois, antes de subir aos palcos como intérprete, ele já criava cenários, figurinos no curso de artes plásticas. “Eu roubava a maquiagem das minhas irmãs e levava para o curso”, confessa.
Da mesa de seu escritório, com parede de tijolos brancos e sem quadros, ele explica que o visagismo tem relação direta com a harmonia. “Trata-se de uma questão de unidade. Em um espetáculo, não pode ser o que cada pessoa quer fazer, mas o equilíbrio do conjunto. E esse olhar é trazido por alguém de fora do processo”, conta.
Tal qual o ofício de ator, a profissão de visagista é milenar, e tem seus primeiros passos no célebre conceito do arquiteto Louis Sullivan (1856-1924): “A forma sempre segue a função”. De que serve uma bela cadeira se ela é desconfortável? Mas é só em 1918 que o francês Fernand Aubry cunha o termo, com foco no rosto e na criação de uma imagem personalizada.
No teatro, esse esforço tende a observar o individual sem perder de vista o coletivo, defende Pacheco. Era nos bastidores de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, que o visagista desenhava, individualmente, a maquiagem de cada um dos personagens animais da adaptação da obra de Jorge Amado. “Eu maquiava os atores, um por um, e os ensinava a fazer o mesmo”, recorda. “Eles tiravam fotos do resultado e usavam como modelo ao longo da temporada.”
A melhor parte, diz Pacheco, vinha depois. “Quando eu assistia à peça, que estava muito tempo em cartaz, percebia como os atores se apropriavam da maquiagem.” O duplo ofício de Pacheco confirma que eles estavam no caminho certo. “Como ator isso é essencial, pois a maquiagem e o figurino são as identidades dos personagens, e você precisa desenvolvê-los.” Cuidado com os detalhes nunca é demais e também garante que a maquiagem não saia dos trilhos no fim da temporada.
O jeito com os traços foi desenvolvido desde a infância. Na adolescência, Pacheco chegou a criar animações em uma produtora. E foi na faculdade, sem perceber, que ele começou a desenhar cenários e figurinos para o grupo de teatro da Fundação Armando Alvares Penteado. Num dia qualquer, o diretor da peça precisou de um ator substituto e incentivou Pacheco, que já conhecia a peça inteira. “No fim da temporada, ele disse que eu levava jeito, então fui estudar.”
Palhaços
Hoje, ele está duplamente envolvido em Para Tão Longo Amor, dividindo o palco com Regiane Alves – indicada para o Prêmio Shell pela personagem – e assinando o visagismo. “Tirei dela toda imagem de mocinha vinda da televisão.” A atriz vive uma poeta rebelde e viciada que se apaixona por um editor de livros divorciado.
Mais recentemente, Pacheco estreou Adeus, Palhaços Mortos, uma adaptação do texto de Matei Visniec feita em um cubo colorido com três palhaços dentro. “Aqui eu precisava reforçar a face dos atores,” continua. “Há muitas luzes e projeções no cubo e elas não poderiam ofuscar os rostos. Então, deixei cores fortes nos olhos e na boca, sob o fundo branco.”
Para ele, a função permite que se possa acompanhar a criação do espetáculo em diferentes etapas. “Por vezes, o figurino vem antes, depois a iluminação e, por último, a maquiagem.”
E os palhaços de Visniec não foram os primeiros. Aliás, seres do picadeiro sempre acompanharam a carreira de Pacheco, que mantém longa parceria com a Cia. Os Fofos Encenam. Em Ferro em Brasa (2008), o visagista se debruçou a criar o retrato de uma família portuguesa do século passado com base na linguagem do circo-teatro. A tela que representava a cozinha da casa foi desenhada com giz de cera, lembra. “São figuras com características muito próprias, como a mocinha e o vilão. Juntos, maquiagem e o figurino são como máscaras que os identificam.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.