Sua voz era permanentemente bonita e agradável na emissão de um amplo diapasão de notas. E parecia sair de todo seu corpo, pois ele cantava com divisão rítmica impecável e contagiante. Parecia lhe atravessar cabeça, braços, pernas. Ninguém tinha dúvida: Simonal tinha o estofo de astro internacional. Desgraçadamente, porém, os atributos artísticos dele não eram suficientes para anular a baixa estima do menino pobre que ele fora. Aquele menino que só se alimentava, depois de pular o muro da casa rica, onde a mãe trabalhava como doméstica, para alcançar, no fundo do quintal, a marmita em que ela escondia comida para ele. Então,para parar de se autodepreciar, Simonal precisava cultivar mania de grandeza. No Rio de Janeiro, quando se atrasou para a entrevista que havíamos combinado, ele explicou: “Estava falando no telefone”. Depois fez questão de acrescentar: “Com o Walter Moreira Salles” – o grande banqueiro milionário. Quando, na mesma cidade, cruzamos no aeroporto Santos Dumont, ele me informou: “Vou para São Paulo receber um prêmio”. E, salientou: “No avião que aluguei”.
No dia em fui ao quartel do Comando Geral da Polícia Militar de São Paulo, logo vi Simonal cochichando com o Chefe da Casa Militar, sem perceber que o incomodava. Estávamos ali porque o cantor fora convidado a ajudar a equipe, comandada pela primeira dama do Estado, que iria preparar para a Rainha da Inglaterra, em visita a São Paulo. Iniciada a reunião, poucos minutos se passaram, e, dona Maria do Carmo de Abreu Sodré abandonou a sala, irritada com o excesso de exibicionismo de Simonal. Ninguém mais conseguia sequer olhar para o cantor.
Como acontece com todo megalomaníaco, Simonal era também meio paranóico. Diante do cofre de seu escritório, esvaziado por sua gastança descontrolada, ele botou na cabeça que seu contador, Raphael Viviani, o roubava. Amigo de policiais do temido DOPS, órgão de repressão política, ele usou-os para forçar Viviani a confessar os roubos. Como o cantador sumiu, a Delegacia de Polícia do bairro intimou Simonal a dar explicações. Ele, porém, preferiu tentar intimidar o delegado, gabando-se de supostos grandes serviços prestados à Ditadura Militar, inclusive como informante do DOPS, no meio artístico. Irritado, o delegado maldosamente mandou o escrivão inserir aquelas gabolices no depoimento de Simonal. Quando o documento se tornou público, surgiu o Simonal dedo-duro, repulsivo, com quem ninguém queria contato. As duas décadas seguintes, ele iria atravessar embebedando-se, até morrer de cirrose hepática. Antes, com o rosto inchado, exaltado, exibia em programas de baixa audiência, um comprovante dado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos, da OAB, de que o nome dele jamais constara de lista de colaboradores da polícia política da Ditadura. O que porém não apagava as marcas das torturas sofridas no DOPS por Viviani.