Não é exagero dizer que a novela A Favorita, exibida entre 2008 e início de 2009, na Globo, e que a partir desta segunda-feira, 25, pode ser vista na íntegra no Globoplay (leia mais ao lado), foi um marco na teledramaturgia brasileira. Escrita para o horário nobre por João Emanuel Carneiro – que, anos depois, faria outro clássico, Avenida Brasil -, A Favorita quebrou paradigmas do folhetim tradicional. A começar pelas protagonistas, que foram construídas sem maniqueísmos. Quando foi ao ar, não se sabia – pelo menos não até a metade da novela – quem era a mocinha e quem era a vilã da história: se Flora (Patrícia Pillar) ou Donatela (Claudia Raia). As atrizes trabalhavam constantemente com a ambiguidade de suas personagens. Ora parecia que Flora era a mocinha, ora Donatela; ora uma dava todos os indícios de que era a vilã, ora, a outra.
E assim o telespectador foi sendo levado, sem certezas quaisquer, até a grande revelação, que ocorreu no meio do caminho da novela, mais precisamente no capítulo 60: Flora era a verdadeira vilã. Mais uma ousadia de João Emanuel: trazer a reviravolta na metade da trama, e não no final, como habitualmente ocorre em um folhetim.
Foi uma aposta e tanto do autor e da Globo, concordam Patrícia e Claudia, em entrevista a jornalistas, via videoconferência, juntamente com Mariana Ximenes, que interpretou Lara, filha biológica de Flora e filha adotiva de Donatela, e cujo amor era disputado pelas duas. "Depois que ele (o autor) contou que no capítulo 60 ia revelar, pensei: que homem doido, isso é um risco, vai contar depois o quê?", lembra Claudia. "Mas eu estava tão apaixonada por ele como dramaturgo, e fui vendo a coisa indo por um caminho tão interessante que eu disse: vamos embora, vamos recriar, inovar, ousar, e assim foi. Ter a coragem de entrar dentro de um segmento que faz parte do DNA brasileiro, onde todas as pessoas estão acostumadas a ver aquilo naqueles formatos, é a chance de sair daquela caixinha já conhecida e ir para outro lugar. Isso se chama liberdade."
Para Patrícia, embora, num primeiro momento, o telespectador possa ter se sentido enganado, quando "todos os clichês foram usados para levar as pessoas para um caminho X e não era", a história mexeu com o público. "Ele (o autor) colocou todo mundo no jogo que ele propôs, foi uma coisa muito audaciosa, moderna. Aqueles personagens enganaram o raciocínio. O jogo foi o barato, essa inversão", diz a atriz.
<b>Amor e ódio</b>
A Favorita fala do amor entre duas irmãs de criação, que foram parceiras na dupla sertaneja Faísca e Espoleta e fizeram sucesso com a canção Beijinho Doce. Mas o amor virou ódio, por causa da inveja, do ressentimento, da rivalidade por parte de Flora. E um assassinato levou Flora a ficar 18 anos na prisão. Patrícia e Claudia contam que só elas, João Emanuel e o diretor Ricardo Waddington sabiam do segredo das protagonistas.
Daí o desafio para as atrizes. "Tentei construir um personagem que fosse possível, factível, verossímil nas duas possibilidades o tempo todo. Então, minha tentativa era que, em cada cena, Flora pudesse ser vista: ela está atuando e ela está falando a verdade. Foi o que tentei para não dar bandeira em nenhum momento. E que, quando todo mundo soubesse, que é o caso de agora, as pessoas conseguissem ver que tinha essa outra pessoa morando ali dentro", afirma Patrícia.
Segundo Claudia, o grande desafio estava justamente na coerência das personagens. "Essa Dotanela, que era uma mulher bruta, rude, que tinha controle absoluto de tudo, parecia que ela era mesmo uma vilã, mas tudo isso tinha de ser, na verdade, entendido quando a carapuça caísse", diz. "Todo mundo enxergasse quem era quem, e que houvesse uma coerência: por que ela fez tudo isso?; por que ela tinha um ódio que não cabia dentro dela por Flora? Foi um trabalho de muitas camadas, de muita conversa, de muita direção, para que a gente chegasse a esse resultado", completa a atriz.
Confinada com o marido, o ator Jarbas Homem de Mello, e os filhos, Claudia revelou recentemente que eles foram infectados pelo novo coronavírus, mas que já estão recuperados. Ela acredita que tenha sido contaminada quando desceu no elevador do prédio, mesmo usando máscara e álcool em gel. "Resolvi falar, porque comecei a ver as pessoas completamente descontroladas, na rua, nas casas fazendo churrasco. Mas (no nosso caso) foi muito brando", conta. "Não é um problema do Brasil, é do mundo. Todas as economias estão paradas, não tem ninguém contra o Brasil, está todo mundo a favor do Brasil."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>