O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirmou ao <i>Estadão</i> ter recebido uma oferta de propina para agilizar a compra do imunizante indiano Covaxin pelo Ministério da Saúde. O parlamentar, até então aliado do Palácio do Planalto, disse que agora vai "provar que existe sim corrupção no Ministério da Saúde".
Segundo o deputado, a proposta de propina partiu de Silvio Assis, lobista conhecido em Brasília que é próximo do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR). Miranda disse ter recusado a oferta. A informação foi revelada pela revista eletrônica Crusoé e confirmada ao <i>Estadão</i> pelo deputado. O parlamentar afirmou na semana passada ter alertado o presidente de indícios de corrupção na negociação.
De acordo com Miranda, a oferta feita por Assis foi de 6 centavos de dólar (por volta de R$ 0,30) para cada dose de vacina vendida, o que daria US$ 1,2 milhão (cerca de R$ 6 milhões, na cotação atual) no caso das 20 milhões de doses de Covaxin que o Ministério da Saúde negociou. "Quero provar que no governo Bolsonaro, debaixo do nariz de todo mundo, o ministério (da Saúde) está entranhado de corrupção. A partir de agora minha meta é essa: provar que existe sim corrupção no Ministério da Saúde e que desde o princípio eu falei a verdade", afirmou o deputado.
Segundo Miranda, a conversa com Assis aconteceu durante um evento na casa do lobista, no Lago Sul, área nobre da capital federal, em 31 de março. Onze dias antes, o deputado havia se reunido com Bolsonaro, ao lado do seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda, para alertar o presidente sobre suspeitas de corrupção no processo de compra da Covaxin.
Luis Ricardo disse ter sofrido pressão atípica de seus superiores na pasta para acelerar a contratação e se recusou a assinar um documento que previa pagamento antecipado pelas doses.
Na ocasião, segundo relatou o deputado, o presidente atribuiu as suspeitas a "mais um rolo" de Barros, que é ex-ministro da Saúde. Ainda segundo Miranda, Bolsonaro disse que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso, mas nenhuma investigação foi aberta na época.
Assis é conhecido por promover confraternizações para aproximar empresários de parlamentares. Ele já foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2018 por participar de um esquema de registros sindicais falsos envolvendo o Ministério do Trabalho e o PTB.
De acordo com Miranda, no evento do dia 31 de março, Barros estava presente, mas não presenciou o momento em que Assis ofereceu a propina. "Por mais que (Ricardo Barros) tenha participado naquele dia em um jantar com 30 pessoas, ambiente totalmente republicano, o que aconteceu, aconteceu quando ele não estava junto", disse.
<b>Resposta</b>
O líder do governo afirmou, por meio de nota divulgada nas redes sociais, que conhece o lobista e que esteve no evento de março, mas negou fazer parte de negociações por imunizantes. "Nunca tratei com ele (Silvio Assis) de tema relacionado às vacinas. Reitero que não participei de negociação referente a compra da Covaxin."
Embora tenha citado Barros como o nome que Bolsonaro atribuiu as suspeitas de corrupção, Miranda afirmou não ter provas contra o líder governista no caso da propina. "Barros sabe que não falou nada comigo, eu também sei que ele não falou nada. Quanto a mim ele tem que ficar despreocupado porque não sei nada sobre ele."
Na quarta-feira, foi aprovada uma nova convocação do deputado do DEM pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, dessa vez em sessão secreta. A audiência está agendada para a próxima terça-feira.
O requerimento aprovado é do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que justifica o pedido para "desejar detalhar fatos de altíssima gravidade" e "como meio de conferir-lhe (Miranda) maior segurança".
Diferentemente das demais vacinas, negociadas diretamente com seus fabricantes (no País ou no exterior), a compra da Covaxin pelo Brasil foi intermediada pela Precisa Medicamentos. A empresa virou alvo da CPI da Covid, que na semana passada autorizou a quebra dos sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário de um de seus sócios, Francisco Maximiano.
Na segunda-feira, senadores apresentaram notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal contra Bolsonaro por prevaricação. Eles alegam que o presidente, mesmo alertado das suspeitas de corrupção, nada fez. O Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União também investigam o caso.
<b> Abin paralela </b>
O policial militar Luiz Paulo Dominguetti, que disse ter desistido de vender vacinas ao Ministério da Saúde após receber um pedido de propina, chegou ao governo por meio de um oficial da reserva do Exército que integra a "Abin paralela", grupo de informantes que o presidente Jair Bolsonaro afirma manter para não depender dos órgãos oficiais de informação.
O coronel Roberto Criscuoli disse ao <i>Estadão</i> ter sido responsável por fazer a ponte entre a Davati Medical Supply, empresa americana, do Estado do Texas, que Dominguetti dizia representar, com a pasta. A firma nega que o policial seja representante dela no Brasil e diz que incluiu o nome dele na oferta que fez ao governo brasileiro "a pedido", sem dizer quem fez a exigência.
"Fui procurado por um representante da empresa uma vez num hotel. Como não sou lobista, só disse para procurarem o Rodrigo", disse o militar ao <i>Estadão</i>, ao se referir a Rodrigo de Lima Padilha, funcionário terceirizado do Ministério da Saúde ligado ao coronel Pedro Geraldo Pinheiro dos Santos, à época diretor do Departamento de Economia da Saúde, Investimentos e Desenvolvimento do ministério (Desid).
Criscuoli, que recebe R$ 27,7 mil mensais como oficial da reserva do Exército, vive no Rio, mas é visto com frequência nos gabinetes dos amigos militares em Brasília. No Congresso, é tido como um dos integrantes da rede de informações informal de Bolsonaro, que transmite informações de interesse do presidente.
<b>Vida luxuosa</b>
No centro das suspeitas de corrupção envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, o empresário Francisco Maximiano, de 48 anos, dono da Precisa Medicamentos, costuma levar uma vida de luxo. Voos de helicóptero, passeios de lanchas e fins de semana em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, fazem parte de sua rotina.
O empresário também acumula série de ações, que envolvem desde a compra de um barco, o aluguel de uma cobertura até desvios de recursos públicos do Ministério da Saúde. Sua empresa ocupa o último andar de um prédio de escritórios em Alphaville, na Grande São Paulo, e ali ele é conhecido por andar em carros blindados e com seguranças.
Em Angra, Max, como é conhecido, sua família e alguns amigos frequentam um condomínio na região do Frade, área conhecida pelas lanchas e barcos de luxo. O percurso de São Paulo até lá geralmente é feito com um helicóptero alugado. A cidade é objeto de atenção especial da família do presidente Jair Bolsonaro, que pretende construir no local uma "Cancún brasileira" – o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) já admitiu conhecer Max, por meio de "amigos em comum" de Brasília.
Ainda na cidade do litoral fluminense, Max era adepto de passeios de barcos e, em 2017, comprou uma lancha Tec Craft de dois motores, com 24 metros de comprimento, por R$ 10 milhões (em valores da época). Pouco tempo depois, transferiu a embarcação para uma de suas 12 empresas, a 6M Participações. No ano seguinte, foi alvo de uma cobrança judicial por falta de pagamento, que terminou extinta.
Um dos sócios de Max na 6M Participações é o também empresário do setor farmacêutico Danilo Berndt Trento, que costuma acompanhá-lo nos passeios a Angra e outros destinos turísticos, como Trancoso, no litoral baiano. Nas 12 empresas em que é sócio, Max tem parcerias com sua mulher, com dois de seus quatro filhos, seu cunhado, Trento e com Danilo Fiorini Filho – que se reuniu com Max e com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, em outubro do ano passado, em uma reunião intermediada pelo "amigo em comum" Flávio Bolsonaro.
Além da relação com Flávio, a proximidade de Max com políticos é conhecida em Brasília. O dono da Precisa é amigo do empresário Ogari Pacheco, dono da indústria farmacêutica Cristália, uma das mais importantes do País. Pacheco é o suplente do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso.
Por meio de nota, a defesa de Maximiano informou que "se mostra perplexa com a quantidade de informações inverídicas e maliciosas que estão sendo difundidas, com o único objetivo de gerar um caos político e prejudicar a vacinação da população brasileiro". O <i>Estadão</i> não conseguiu contato com Trento. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>