Variedades

Walcyr Carrasco sabia até onde podia ir sua abordagem de prostituição e drogas

Um enterro de Carolina, personagem de Drica Moraes, foi gravado para o último capítulo de Verdades Secretas, no ar nesta sexta, 25, com todo o elenco. Segundo essa versão, ela flagraria o marido, Alex (Rodrigo Lombardi), e a filha, Letinha/Angel (Camila Queiroz) na cama e se mataria, com o revólver do pai. Fotos das gravações “vazaram” em jornais e sites, como se um fim de novela com esse nível de tensão não merecesse discrição para ser cercado de mistérios. Em entrevista por e-mail, o jornal O Estado de S.Paulo perguntou ao autor, Walcyr Carrasco, se aquilo de fato vai ao ar ou é só um dos desfechos gravados para despistar as certezas sobre o fim da história. “Ah, não conto!”, respondeu.

É com esse tom de suspense que a Globo encerra a produção de conteúdo mais ousado já feita sob os seus domínios. O uso de crack e cocaína foi escancarado sem filtros, como nunca se viu em uma ficção na TV aberta brasileira. Perto de um garoto sofrendo os efeitos de uma overdose de cocaína, ou de uma viciada em crack sendo estuprada por cinco homens, tornaram-se até menores questões como nudez e Book Rosa, senha para a prostituição de luxo no universo da moda.
Carrasco diz que sabia até onde iria, desde o início. Não teve de esperar o retorno da audiência para avançar o sinal. “Escrevi há muitos anos, uns 20, um livro chamado Vida de Droga, que conta a história de uma adolescente que entra no crack, e não fugi de nenhum detalhe, inclusive a prostituição”, diz. “É um livro para adolescentes. Logo que ele foi lançado, começou a ser adotado em escolas. Ao ir dar palestras, descobri que muitas dessas escolas eram de feiras. E, ao comentar minha surpresa com elas, ouvi que achavam melhor levantar o assunto e prevenir, ou seja, se as freiras achavam importante discutir, quem não acharia? Sei que há uma grande hipocrisia em torno do assunto da parte das autoridades, de falsos moralistas, mas a população, como um todo, quer saber o que acontece, inclusive porque muitas pessoas, como eu, têm membros da família envolvidos com o crack”, revela.

Também no caso do Book Rosa, conhecia seus limites. “Fui até onde pude ir, contei que o que havia para contar. Não pude ir além na questão de menores de idade porque é óbvio que, de acordo com o Estatuto da Criança e os princípios da Globo, não podemos submeter menores a cenas mais ousadas. Mas a verdade é que o Book Rosa atinge meninas muito mais novas.” E lembra o caso de um grande empresário de São Paulo que foi processado pela mãe de uma menina de 13 anos. “Esse empresário havia se tornado sócio de uma agência para ter acesso às meninas, imagine! Então, é claro que não poderíamos submeter uma atriz adolescente a essa situação. O importante foi contar que existe e que, muitas vezes, o que parece uma vida de glamour, na verdade, é uma vida de prostituição.”

O autor reconhece que a faixa das 11 da noite conspira a favor de sua ousadia. “Mas nada teria acontecido se não tivéssemos um elenco corajoso, disposto a compartilhar a ousadia do texto e da direção.” Na contramão de Babilônia, que se viu forçada a reduzir o tom da prostituição na faixa das 21h, Verdades Secretas não foi alvo de represálias e atraiu mais audiência que o folhetim das 21h.

Afinal, até que ponto é preciso preparar o espírito do espectador para que ele “absolva” os “pecados” do personagem? Carrasco não entra no mérito da questão. Elogia Gilberto Braga, de Babilônia, “um grande autor” que “nos deu novelas inesquecíveis como Vale Tudo” e que “sempre teve a coragem de ousar nos temas, inclusive com risco de rejeição”. “Sinto que, como autor, estou longe de atingir a maturidade e genialidade do Gilberto. É com ele e com autores como a Glória Perez e o Silvio de Abreu que aprendi a arriscar, a testar meus limites. E também com o diretor Walter Avancini, que Deus o tenha.”

Avaliar novela depois que deu certo ou não é fácil. Encontrar a fórmula do sucesso antes de colocá-la no ar já é missão impossível. “Não existem fórmulas. Simples assim. Todos nós temos que ousar e ter coragem de expor nossas emoções e maneira de ver o mundo. Tentar construir uma teoria do que dá certo e do que dá errado pode ser bom para matemática, mas é péssimo para a criação artística.”

A direção de Mauro Mendonça Filho, ressalta, teve peso essencial no efeito da trama. Carrasco conta que os dois conversavam com frequência para “discutir os caminhos das cenas mais ousadas”. E reconhece em Mauro Mendonça Filho um “diretor profundamente autoral”. “Eu digo, essa obra não é só minha. É dele também. Não consigo imaginar Verdades Secretas sem a direção magnífica do Maurinho.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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