Mundo das Palavras

Waldomiro das estrelas

Há mistério até num copo de água, disse a poeta Adélia Prado, numa entrevista. Na verdade, nossa vida toda é um espanto, disse outro artista, Vicente Cecim. Se, claro, você não usa crenças religiosas como saber enciclopédico. Da qual, extrai explicações para tudo. Sem se importar com a riqueza e a complexidade daquilo que ignoramos. Em tantos campos. Da Astrofísica à Tanatologia, o estudo da morte.
 
Sobre a água, Adélia não poderia saber o que revelou o ALMA, o grande observatório astronômico que só mais tarde foi instalado num platô inabitável do Chile, chamado Chajnantor, a 5.100 metros de altitude. Mas, outro artista soube. E  mergulhou no mistério encantador da água mencionado por Adélia. Graças ao ALMA, Patrício Guzmán, diretor de cinema, dispôs de grande carga poética para a elaboração de comentários inseridos juntos com as imagens de água no seu documentário “O botão de pérola”. Nele, Patrício diz: “Olhando as estrelas, sou atraído para a importância da água. Parece que a água veio do espaço exterior e que a vida nos chegou pelos cometas que formaram os mares. Quando a água se move, o cosmo intervém. A água recebe a força dos planetas. E a transmite ao solo e a todas as criaturas. A água é um órgão mediador entre as estrelas e nós”. Patrício indaga: “Quanto tempo viajou o cometa que nos trouxe as primeiras gotas de água? ”. Ele diz, ainda: “Cada gota é um mundo à parte. Cada gota é uma respiração”.
 
Ninguém pense, porém, que só o mundo natural seja espantoso. Pois não são menos espantosos os seres humanos. Em seus mais simples gestos, falas e atitudes, como ensinou igualmente Adélia Prado. Num poema, ela descreve um instante de convívio com a mãe. E como, nele, foi surpreendida com a eloquência dos de pequenos cuidados caseiros. “Aquele dia, de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo: ‘Coitado, até essa hora no serviço pesado’. Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente”. Naquele momento, escreveu Adélia, o uso da palavra amor se tornara luxo dispensável. 
 
Eu próprio me espanto diante de Waldomiro Santanna. Há quarenta anos, vejo este amigo querido fechado em seu ateliê, numa única atividade: produzir beleza. Numa perseverança que nem Trump, hoje, consegue abalar. De onde lhe vem força para colocar neste mundo atormentado tantas pinturas belas? Quem sabe, ela chegue com poeira cósmica. E somente o ALMA dele – sua alma – a capte. 
 

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