Único tricampeão olímpico do Brasil na história, José Roberto Guimarães é um dos nomes mais conhecidos e respeitados do esporte no país. Com o governo federal recriando o ministério para cuidar dos esportes e colocando Ana Moser como responsável, o treinador da seleção brasileira feminina de vôlei e do time de Barueri, projeto idealizado por ele desde o começo, deu seu aval para a ex-atleta e sua nova função. Ele também avaliou o ciclo para os Jogos de Paris com a disputa do Pré-Olímpico e despistou sobre seu futuro após a competição de 2024.
<b>Depois de quatro anos, o Brasil voltou a ter o Ministério do Esporte. No começo de 2023, Ana Moser assumiu o cargo e é a responsável pela pasta no governo federal. Como você viu o processo e a escolha?</b>
Eu acho excepcional. O fato de ter a Ana no esporte, para mim, é um motivo de muito orgulho. Primeiro porque eu conheço a Ana desde garota, desde quando ela começou a jogar vôlei em Blumenau. Depois ela veio para São Paulo e eu vi a Ana crescer. Quando eu soube que ela tinha sido convidada eu mandei uma mensagem para ela. Eu sei que ela se preparou a vida inteira para esse momento. Ela tem um conhecimento do Brasil desde a época em que ela esteve na Caravana do Esporte. Ela não só conhece o esporte brasileiro socialmente, mas também o alto rendimento. A Ana eu acho que é super bem-vinda e super bem escolhida. Ela tem total confiança do pessoal do esporte. Ela adquiriu uma credibilidade durante os anos como atleta e também no período em que ela está como administradora e empreendedora do Instituto dela, onde ela sempre fez um grande trabalho. Eu espero e torço para que ela consiga fazer um excelente trabalho e tenha sucesso. O sucesso da Ana Moser no Ministério do Esporte é o nosso sucesso e o sucesso do Brasil e sempre me coloco à disposição se ela desejar conversar.
<b>Nos últimos anos, você falava que para fazer esporte no Brasil era preciso ser um abnegado e que era necessário fazer coisas que você não pensava. Segue sendo assim?</b>
Continua sendo assim. A gente faz um pouco de tudo. Eu ajudo a limpar a quadra, me preocupo com vestiário, piso, rede e assim são todos os treinadores. Nós não temos funcionários para fazer funções específicas assim. Aqui todos se preocupam com tudo. Minha filha foi na última semana buscar uniforme no nosso fornecedor para uma atleta da nossa base poder jogar no adulto. Apesar de tudo, isso é um detalhe que eu gosto. Você vê gente chegando sempre com algo para ajudar, literalmente todo mundo ajuda. Um dos assistentes técnicos é o que cuida da montagem da quadra para os dias de jogos, dos detalhes disso. Aqui não tem essa de ser só uma coisa ou outra. Aqui no Barueri todos se preocupam com tudo para que o projeto siga acontecendo.
<b>O Brasil conseguiu uma medalha de prata no Mundial feminino de 2022, mas terá um Pré-Olímpico pela frente em 2023 que será disputado em um novo formato. O que você espera da seleção neste ano?</b>
Será um ano muito difícil se tratando de Pré-Olímpico. Serão três chaves de oito seleções e duas de cada chave irão se classificar. Vai ser um desafio enorme. A gente vai ter que montar a melhor seleção que a gente possa e vamos ter que aproveitar a Liga das Nações como jogos preparatórios para setembro, que é quando vai ser o Pré-Olímpico. A vaga em Paris será o nosso grande objetivo no ano e, como eu disse, nós temos que estar lá com o nosso melhor.
<b>Em alguns momentos durante o ciclo para a Olimpíada de Tóquio você declarou que seria seu último período com a seleção, mas acabou renovando para Paris. Isso aconteceu pelo fato de o ciclo olímpico até a França ser menor?</b>
Não. O que eu vi e aprendi com esse grupo de Tóquio me fez renovar. Essa seleção me mostrou que, apesar de todas as dificuldades que nós enfrentamos, a energia do grupo, a química, a vontade de aprender e de estar junto, tudo isso foi muito legal. Quando você tem um grupo dessa maneira, você vê que elas têm um objetivo claro e você vê que elas estão se cuidando, te faz querer seguir. Além de Tóquio, elas me mostraram mais uma vez isso em 2022, na Liga das Nações e no Mundial. Isso tudo me deu força para continuar. Eu vi isso tudo que eu falei nessa nova geração que chegou na seleção. Não só nas mais novas, mas também nas mais experientes que chegaram ao grupo agora e estão representando o Brasil pela primeira vez. Essa vontade grande de querer realizar tudo. Dessa forma eu me senti bem e isso me fez querer continuar. É difícil descrever o que nós vivemos nessa última temporada, mas posso dizer que foi apaixonante estar ali. A gente conseguiu construir um ambiente muito gostoso. Muito leve para se viver e trocar experiências, isso foi legal. A gente tem que seguir com essa construção e essa chama acesa. Apesar da medalha de prata, eu tenho muito orgulho de ter conquistado com todos do grupo, é isso. Penso que se o time do Brasil estiver chegando sempre no pódio está ótimo, significa que estamos no caminho. Precisamos nos acostumar a chegar na zona de medalha sempre.
<b>A geração que marcou o mundo com a conquista do bicampeonato olímpico começou com base neste caminho, certo?</b>
Sim. Elas foram chegando e se acostumando a estar ali. Depois, muito por conta da resiliência e força de todas que fizeram parte daquele grupo, a chave virou e a conquista dos dois ouros aconteceu. Acho que o grupo atual também é talentoso e jovem. É um grupo que precisa de experiência internacional e vem tendo aos poucos. Estamos vendo, assistindo e acompanhando as meninas que estão fora do país e sabemos que elas vêm jogando cada vez mais. Isso faz com que elas tenham uma maturidade e com que elas cheguem na seleção com um sentimento diferente, de conhecimento, de equilíbrio e de tudo que elas podem passar.
<b>Como você encara o ciclo olímpico mais curto até Paris?</b>
Acho que tudo fica mais rápido. O que muda é o planejamento e a forma como você vê as coisas. Estamos vendo todos os adversários e sabemos que a Sérvia venceu o Mundial, a Itália ficou em terceiro e são equipes que até Paris vão crescer muito mais. O Japão foi a vitória mais louca e o jogo mais complicado que nós tivemos no Mundial. Passar por tudo isso é positivo para você entender e conseguir projetar algumas coisas. Sabemos que as dificuldades vão aparecer até Paris e precisamos nos preparar para enfrentar e superar todas elas.
<b>O ano de 2022 para o projeto do seu time em Barueri foi difícil por toda a questão de patrocínio. Como você tem feito para que seja possível o time seguir?</b>
O grande problema do projeto é essa situação de estarmos sempre perdendo as jogadoras para os outros times. A gente não consegue manter elas aqui por mais de um ano. Temos buscado patrocínios todos os dias, com todas as pessoas. O que tem nos ajudado muito são os projetos de incentivos, tanto na base como no adulto. O ano de 2022 foi excepcional para os nossos times de base. Das cinco categorias do campeonato paulista nós vencemos quatro e fomos terceiro lugar na outra. Foi um ano excepcional. Em 2023 vamos aumentar em mais duas categorias, colocando equipes a partir do sub-12, e isso quer dizer mais atleta e mais gente conosco. Os técnicos estão entusiasmados, todo mundo ajudando no que pode e a gente buscando patrocínio. Hoje Barueri é uma das melhores escolas de vôlei do país, haja vista o que acontece no nosso time adulto. Atualmente metade do elenco do nosso adulto é composto por atletas da nossa própria base. Isso é motivo de muito orgulho para todos nós. Isso nos faz querer continuar. Precisamos seguir buscando empresas que estão dispostas a nos ajudar nessa empreitada. Temos o apoio da prefeitura de Barueri, que é importante, mas a gente precisa encontrar patrocinadores diretos.
<b>O projeto de Barueri vai passar a receber meninas de 12 anos e conseguir seguir até a categoria adulta a partir de 2023?</b>
Estamos caminhando para isso. O projeto está caminhando, está com uma qualidade legal tudo que a gente tem construído. Aqui nós não nos preocupamos apenas com as jogadoras de vôlei, mas com as cidadãs. Pensamos e buscamos que elas se tornem cidadãs do bem, que tenham oportunidades. Conseguimos convênio com o Colégio Campos Sales e a Escola Amorim, de Barueri, para as jogadoras que vêm de fora terem onde estudar. Falta a ajuda financeira para que tudo seja ainda melhor e seja possível dar oportunidade para elas. A gente não gostaria de perder essas atletas tão precocemente como está acontecendo. O nosso orgulho é que da última convocação da seleção brasileira 11 jogadoras da lista nasceram ou passaram pelo time de Barueri. Isso é motivo de muito orgulho para nós como escola de voleibol. Isso é uma amostra de que estamos fazendo um trabalho muito bom para as meninas, para a comunidade como um todo e para o Brasil.
<b>A Olimpíada de Paris será a última de José Roberto Guimarães no comando da seleção brasileira de vôlei feminino?</b>
Olha, acho que depois de tudo que eu passei, eu entrego na mão de Deus a decisão. Deixo a vida me levar. Enquanto eu tiver força, conseguir lutar e seguir sendo ajudado como eu sou pelas pessoas que estão do meu lado, como comissão técnica, jogadoras, apoio do clube, da seleção, eu vou vendo o que é possível.