Mundo das Palavras

Zé Keti: ‘Marchou, agora chia’

O rosto de Zé Keti apareceu, em 2008, num muro do Rio de Janeiro e foi parar no álbum Street Art, do artista norte-americano Peter Tsai, graças a Marcelo Ment que fotografou a obra do grafiteiro anônimo. Pouca gente lembrava do sambista, símbolo da fusão dos artistas dos morros cariocas  com compositores bossa-novistas, promovida pelo Centro Popular de Cultura-CPC, pertencente à União Nacional dos Estudantes-UNE, após o Golpe Militar de 1964.
 
Àquela altura, pregava o CPC: elementos da cultura popular deviam ser usados na criação de obras artísticas que buscassem conscientizar os brasileiros da falta de liberdade no país. Foi dentro deste ideário estético que, em dezembro daquele ano, se montou o show musical Opinião, hoje histórico, dirigido por Augusto Boal. Nele, coube a Zé Keti representar a vertente dos sambistas. A seu lado, no elenco, estavam a musa da Bossa Nova, Nara Leão, e o compositor nordestino João do Vale. 
 
Três anos depois, uma música carnavalesca de Zé Keti foi logo encarada como obra-prima, “Máscara Negra” (“Tanto riso. Oh! Quanta alegria. Mais de mil palhaços no salão”). No disco em que foi gravada havia uma única outra composição dele, “Acender as velas”, pungente denúncia da mortandade infantil nos morros do Rio de Janeiro. Cantada até hoje, “Máscara Negra” teve um destino muito diferente do lançamento de Zé Keti para o Carnaval de 1965.
 
Embora tenha se tornado uma das preferidas dos foliões do Rio de Janeiro, esta outra música sequer chegou a ser gravada.  Naquele ano, o intuitivo compositor captara o drama de muitos brasileiros de classe média. Nos primeiros meses de 1964, eles tinham pedido em grandes manifestações de ruas que os militares derrubassem João Goulart, movidos pelo pânico criado por empresários contrários às reformas sociais defendidas pelo presidente eleito.
 
Através dos meios de comunicação de massa, estes empresários os tinham convencido de que o Brasil estava “à beira do precipício comunista”. Ocorreu que, instalados no poder, de onde só saíram vinte anos depois, uma das primeiras providências dos militares foi colocar a UNE na ilegalidade, empurrando para a clandestinidade universitários, filhos da classe média, ligados a movimentos de oposição, os quais passaram a ser presos e mortos. Por isto, na letra de sua música hoje perdida, Zé Keti ironizou: “Marchou pela democracia, agora chia, agora chia. Você perdeu a personalidade. Agora, fala em liberdade”.
     
 

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