O presidente ucraniano Volodmir Zelensky quase foi capturado pelas tropas russas nas primeiras horas da invasão na Ucrânia, segundo o relato dele próprio à revista americana <i>Time</i>. Em uma reportagem publicada pela revista nesta quinta-feira, 28, Zelensky afirma que soldados russos saltaram de paraquedas em Kiev na madrugada do dia 24 para capturá-lo ou assassiná-lo, em um momento em que o complexo presidencial não estava preparado para defendê-lo.
Militares ucranianos revelam à <i>Time</i> que barricadas foram montadas às pressas e de forma improvisada para selar portas do complexo e evitar uma invasão quando os ataques russos iniciaram. A revista descreve essas barricadas como pilhas "que mais pareciam sucata de ferro-velho" do que uma fortificação.
Zelensky relembra as memórias deste dia e as descreve como "fragmentadas", num conjunto desarticulado de imagens e sons. Uma das mais marcantes é o momento em que ele e a esposa, Olena Zelenska, acordaram os filhos para contar que os bombardeios haviam começado e eles precisavam fugir. A filha tem 17 anos, e o filho, 9, ambos com idade suficiente para entender que estavam em perigo. "Foi alto. Houve explosões ali", disse o presidente à <i>Time</i>.
A sensação dos militares ucranianos naquele momento era de que a realidade havia se modificado drasticamente. "Antes daquela noite, só tínhamos visto essas coisas nos filmes", declarou Andri Yermak, chefe de gabinete presidencial, à revista. Um outro assessor de Zelensky, Oleksi Arestovich, descreveu a situação como um "hospício absoluto".
Durante o primeiro dia da invasão, Zelensky continuou no complexo presidencial e recebeu aliados e membros do seu governo, que foram até lá para demonstrar que estavam ao seu lado mesmo com o local sendo ameaçado. Quando a noite caiu, todos que estavam ali ouviram tiroteios ao redor do complexo. Os guardas distribuíram coletes a prova de balas e rifles para Zelensky e assessores. Apenas alguns deles sabiam usar armas.
Segundo Arestovich, as tropas russas tentaram invadir o complexo duas vezes neste dia. Zelensky e a esposa ainda estavam lá e ficaram próximos de serem capturados ou mortos.
À medida que o conflito continuou, os Estados Unidos chegaram a oferecer a Zelensky uma saída da Ucrânia para se exilar em um local de segurança. Entretanto, o presidente negou a oferta e disse ao governo americano que precisava de "munição, não de carona". A frase virou manchetes no mundo inteiro como um exemplo de coragem do presidente ucraniano, mas escondeu o risco muito alto de morrer que havia naquele momento.
A <i>Time</i> afirma que a própria guarda de Zelensky recomendou que ele saísse do complexo presidencial. Os prédios do complexo é rodeado por um bairro densamente povoado em Kiev, em que apartamentos e casas podiam servir de esconderijo e ponto estratégico para atiradores inimigos. "Algumas casas são perto o suficiente para jogar uma granada (no complexo) pela janela", diz a revista.
"O lugar estava aberto. Não tínhamos nem blocos de concreto para fechar a rua", descreveu Arestovich na reportagem.
O recomendado era que o presidente fosse para um bunker seguro e equipado para resistir a um cerco longo das tropas russas, mas Zelensky se recusou a ir. Em vez disso, ele se colocou num risco ainda maior na segunda noite de invasão, quando foi para as ruas de Kiev gravar um vídeo para assegurar que permanecia na Ucrânia.
Segundo disse à revista, foi neste momento que ele percebeu o papel que iria assumir na guerra. "Você entende que eles (o povo) estão assistindo", afirmou. "Você é um símbolo. Você precisa agir da maneira que o chefe de Estado deve agir", finalizou.