O rapaz acorda cedo todo dia. Às 4h30, antes do sol, já está de pé. Abastece a caminhonete e segue para a feira no Centro de Guarulhos ou para a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), localizado na zona oeste da capital O roteiro depende do dia. O jovem leva alface, cebolinha, repolho, beterraba, couve, cenoura, rúcula e outros produtos que ele mesmo plantou e cultivou no trabalho pesado da roça.
É assim a vida do guarulhense Fernando Rodrigo da Fonseca, 35 anos. Ele e a família vivem e trabalham no sítio Pedra Preta, na região São João, a cerca de 20 quilômetros do Centro de Guarulhos. E quem chega até o sítio, descobre uma outra Guarulhos, inimaginável para muitos, nas “barbas” da Serra da Cantareira. Na cidade, com quase 1,4 milhão de habitantes, onde predominam os problemas comuns da vida urbana, há ainda espaço para a agricultura, sobretudo familiar, voltada a abastecer a região metropolitana com hortaliças e produtos orgânicos.
“Vivo aqui e não sinto fata da cidade, ao contrário, amo meu trabalho, sou saudável e estou produzindo alimentos saudáveis para a população”, contou o jovem enquanto caminhava entre uma plantação e outra. As botas e as mãos sujas, o suor logo pela manhã, denunciam o trabalho pesado na terra. E ele não é o único a trabalhar.
Sua mãe, a guarulhense Maria das Graças Fonseca, 73 anos, está de pé com outros dois ajudantes. Na cabeça um grade chapéu e nas mãos ramos de cebolinhas que acabaram de ser colhidos e poderão estar na sacola da feira dos consumidores guarulhenses amanhã. “Comecei a trabalhar com a terra depois que eu casei aos 23 anos. É um trabalho pesado. Quando está muito calor ou quando chove fica muito difícil, porque a gente fica no meio do barro, no meio da terra, mas eu gosto. Meus filhos não querem que eu venha, mas eu venho”, contou dona Maria, mãe de cinco filhos.
O rosto não é castigado apenas pelo tempo. O sol é seu companheiro de uma vida. “A gente não vive tão bem, a gente sobrevive. Na verdade, nosso trabalho não é valorizado. As pessoas não dão valor ao trabalho que a gente faz aqui, e acho que deviam, porque levamos o alimento para o prato da cidade, não é verdade?”, pergunta a mulher que não para de trabalhar enquanto conversa.
A visita culminou com a colheita de cenouras e seus grandes talos, na maioria das vezes desprezados nas nossas cozinhas. “Aqui, não desperdiçamos nada. Tudo é transformado em alimento”, disse Fernando que aprendeu com Carlos Salgado, técnico agrícola do munícipio a migrar suas plantações de um cultivo com agrotóxicos para o de modo orgânico.
“Tem gente que acha que um pé de alface orgânico é caro, mas compra cigarro sem dó. Se alimentar bem é investir na saúde, é prevenir doenças. Depois que passamos a cultivar apenas orgânicos e a comê-los, eu e minha família nunca mais ficamos doentes, nem gripe eu pego. É outra vida”, confidenciou Fernando, orgulhoso.
O jovem conta que não foi fácil abandonar os produtos que garantem matar as pragas e agilizar o plantio e assim o retorno financeiro, mas que valeu a pena. A mudança ocorreu há seis anos, a partir do apoio técnico da prefeitura, o que, contudo, não está ocorrendo com a efetividade de outros tempos.
“Meu pai, meu avô, todo mundo usava agrotóxico, o adubo químico e hoje já não usamos mais. No começo não foi muito fácil, mas depois a gente se acostuma com o tempo da natureza, que é outro. Depois que a gente passa a se alimentar sem veneno (agrotóxicos) dá mais prazer em vender alimentos mais saborosos e saudáveis para os nossos clientes”, disse Fernando.
A plantação orgânica tem uma característica peculiar. As hortas são margeadas por plantas silvestres, por mato. “Isso é totalmente proposital, para manter o equilíbrio e atrair as pragas para cá, livrando a produção agrícola. Eu fico orgulhoso de ver esse trabalho. No começo foi complicado mostrar esse novo horizonte, era uma quebra de paradigmas e deu certo”, disse Carlos Salgado, também orgulhoso.
Para o técnico agrícola que é servidor do município há 27 anos, os produtores agrícolas têm sido mais reconhecidos e valorizados pelos clientes que procuram produtos orgânicos nas feiras da cidade. “O Fernando, por exemplo, tem clientes que o procuram toda semana, porque sabem da procedência e qualidade dos alimentos. Há uma mudança no olhar desse cliente e um aumento na demanda por estes produtos. Esse é um caminho sem volta”, avaliou o técnico agrícola que aproximou produtores orgânicos de consumidores.
Agricultura em Guarulhos
Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos (UfsCar) de 2011, a mais recente disponível, e assinada também pelo técnico agrícola Carlos Salgado, revela que naquele período, 2011, existiam 54 unidades produtivas ativas.
“As áreas de produção agrícola reduziram substancialmente em Guarulhos, ao longo das últimas décadas em função do avanço do processo de urbanização, mas um fator importante nesse processo de redução deveu-se ao encerramento da doação de composto que era fornecido pela prefeitura de São Paulo a partir da usina de compostagem da Vila Leopoldina, fechada por problemas técnicos na década de 1990”, pontua o estudo.
Predomina ainda hoje a produção de hortaliças. Para Salgado, incentivar a agricultura em um município altamente urbanizado é importante também para a conservação ambiental das terras destinadas à agricultura e possibilita que pequenos agricultores complementem sua renda.
“Guarulhos tem uma biodiversidade muito grande e essas famílias que aqui produzem acabam protegendo essa riqueza. Há uma infinidade de animais e espécies que são preservadas, também porque essas famílias realizam um plantio mais consciente e sem agrotóxicos”, ensinou Salgado que orientou parte das famílias a migrar para a produção de produtos orgânicos.
Serviço – Feira Orgânica
Locais e horários:
Sábados, das 7h às 13h – Praça IV Centenário
Quartas, das 17h às 22h – Parque Fracalanza