Opinião

A espetacularização do óbvio

Em qualquer país sério do mundo, uma ação policial que terminasse na prisão de um bandido procurado pela Justiça seria encarada como algo corriqueiro, nada mais do que a obrigação dos agentes públicos de segurança. Mas no Brasil não é assim. Desde as primeiras horas da quinta-feira, os telejornais não cansam de exibir a “espetacular” prisão do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, pego na madrugada daquele dia durante operação policial na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.


 


O tenente, responsável pela blitz que culminou na prisão, torna-se celebridade nacional, quase que um herói, por não ter aceitado suborno. Ora, isso é obrigação. Seria notícia se ele tivesse aceitado, porque – em tese – fugiria à normalidade. Mas não. Por aqui, a novidade é um policial não aceitar ser corrompido. Agora, as atenções de voltam ao que Nem vem dizendo nos primeiros depoimentos.


 


Na sede da Polícia Federal, afirmou que metade do que faturava com a venda de drogas era entregue a policiais civis e militares, segundo reportagem do jornal carioca “O Globo”. O traficante disse também que a propina tinha como destino final uma série de agentes públicos e que teve lucro zero em determinados períodos por causa da frequência de pagamentos. Segundo estimativas da Polícia Civil, não confirmadas no depoimento, o traficante faturava mais de R$ 100 milhões por ano.


 


Tudo isso poderia ser considerado um grande devaneio de um sujeito sem crédito, uma declaração desesperada de um marginal para comprometer as forças da segurança. Mas – pelo que já se viu até aqui – dá para entender sem medo de errar que ele fala a verdade. Isso inclusive justifica a cara de assustado dele ao ser preso. Nem se sentia seguro. Tinha a certeza de que sairia ileso da ação policial, como deve ter ocorrido inúmeras vezes antes. Ou alguém acredita que essa foi a primeira vez que Nem tentou sair do morro da Rocinha?


 


Agora, o secretário carioca de segurança , José Mariano Beltrame, diz que gostaria muito que Nem falasse o que sabe, por conhecer “a arquitetura do tráfico de drogas e como são os meandros da corrupção”. Como se ele não soubesse que a “inteligência” da segurança do RJ já fez lambanças demais ao longo das cinematográficas ações para a instalação da Unidades de Polícia Pacificadora, as comemoradas UPPs?  Óbvio que não. Talvez, passada a espetacularização montada em cima da prisão de Nem, o policial – agora herói – venha a ser esquecido propositalmente. Afinal, não fazia parte dos planos tanta verdade exposta.

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