O presidente Jair Bolsonaro repete passos da ex-presidente Dilma Rousseff na economia, principalmente na intervenção nas empresas estatais, e vem gerando a sensação de uma volta ao passado de políticas econômicas. As recentes intervenções provocaram queda na Bolsa e alta do dólar e inundaram a internet de memes misturando os dois numa referência a "Bolsodilma".
Diferentes na política, um se diz de direita e defende o regime militar; a outra, de esquerda, foi presa pela ditadura, Bolsonaro e Dilma se aproximam na tentativa de responder a problemas econômicos.
Bolsonaro trocou o comando da Petrobrás e já ameaçou demitir o presidente do Banco do Brasil, que colocou o cargo à disposição. Ainda prometeu "meter o dedo" na energia elétrica, mas não explicou como, e zerou esta semana os impostos sobre diesel e gás de cozinha.
Dilma cortou a conta de luz na canetada – o que acabou provocando desequilíbrio no mercado, que resultou num tarifaço depois -, e decidiu desonerar de uma única tacada todos os produtos da cesta básica, medida que acabou beneficiando também produtos de luxo.
Com Bolsonaro, o governo voltou a criar uma estatal, a Nav (de navegação aérea), o que não acontecia desde o governo Dilma. E o governo tem adotado medidas que caminham na direção contrária à agenda de privatização defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Eleito por uma aliança que incluiu evangélicos, militares, colecionadores de armas, caminhoneiros e apoiadores de uma economia liberal, o presidente se equilibra entre demandas que dividem a própria base. Paradoxalmente, em algumas dessas disputas, o resultado final acabou se aproximando de políticas do PT.
O episódio da Petrobrás, que gerou perdas no mercado e colocou em xeque de forma mais contundente a política liberal de Guedes, acabou levando à pergunta: afinal, Bolsonaro repete os passos da antecessora?
Para a oposição, no campo democrático qualquer comparação é definida como uma afronta. A única aproximação possível de se apontar é que ambos mantêm preocupações de que nem tudo seja como o mercado financeiro quer. Não por acaso, o presidente deu a sua resposta ao mercado e escolheu entre várias opções à mesa apresentadas pela equipe econômica elevar a tributação dos bancos para compensar a desoneração do diesel e do gás de cozinha. Uma medida que deverá ter impacto direto no custo do crédito neste momento de busca da retomada econômica.
"O presidente é um animal político e sabe que isso atrai dividendos. Saiu uma pesquisa da XP indicando que até mesmo quem não é apoiador do presidente concorda que o governo deve intervir para controlar os preços", diz Bruno Carazza, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral. Para Carazza, ainda está muito arraigada no País a defesa do papel do Estado em promover o desenvolvimento. Dessa forma, temas como privatização e políticas de preços, ainda mais quando eles sobem, continuam sendo um tabu.
O economista do Ibmec avalia que Bolsonaro e Dilma se aproximam no perfil "voluntarista" de querer fazer as coisas. Antes do diesel, Bolsonaro já se incomodou com o dólar alto, preço do arroz e de outros produtos e reduziu a taxação na importação de bicicletas e de armas, com perda de arrecadação. Tentou também favorecer a tributação das igrejas para agradar a apoiadores e fazer a desoneração dos combustíveis sem compensação, uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal.
No episódio da Petrobrás, até um ex-membro importante do governo Bolsonaro viu semelhança com as práticas petistas. Para Paulo Uebel, ex-secretário de Desburocratização da equipe de Guedes, as críticas à política de preços da estatal e a mudança do comando vão na direção oposta ao discurso de campanha. "Isso é uma mudança que vai contra o que foi aprovado nas urnas e aproxima Bolsonaro de práticas que o PT fazia", disse, em entrevista recente ao jornal <b>O Estado de S. Paulo</b>.
Ex-secretário do Tesouro Nacional no governo Lula, o economista Carlos Kawall diz que a interferência na Petrobrás guarda semelhança com episódios de Dilma e presidentes anteriores, mas ele ainda não vê a política de Guedes comprometida. "Onde não houve uma dilmização foi na questão fiscal", afirma Kawall, que defende a aprovação dos gatilhos na PEC que autoriza a retomada do auxílio. Segundo ele, após a intervenção desastrosa na Petrobrás, o governo fez a "mea culpa" enviando ao Congresso a MP de capitalização da Eletrobrás e depois o projeto que abre caminho para a privatização dos Correios.
<b>Problemas estruturais</b>
Para o presidente do banco Fator, Gabriel Galípolo, é preciso neste momento resistir a fazer um concurso de análise de personalidades, porque essa sensação de volta ao passado demonstra que há problemas estruturais da sociedade que demandam soluções, independentemente da personalidade de plantão.
Na avaliação dele, existe uma tensão hoje observada entre aquilo que é a agenda que a equipe econômica defende e o histórico do presidente. "O mercado financeiro tenta apresentar a narrativa de que existe uma maneira certa e outra errada. Mas a verdade é que existem dois lados nessa história."
"Ambos os governos não se aproximam e não são comparáveis. O governo Bolsonaro não se compara a nenhum governo desde 1995, pois é um governo sem nenhuma agenda", critica o professor da Universidade Federal do ABC Fabio Terra.
Em postagem no Twitter, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, defende a política adotada nos governos petistas e diz que a Petrobrás nunca teve prejuízo com a política de preços adotada por Lula e Dilma, que garantiam combustíveis baratos.
<b>Ajuste no setor elétrico</b>
No setor elétrico, o governo Bolsonaro tenta desfazer uma política criada na gestão Dilma. Em 2012, ela reduziu as contas de luz em 20% com a Medida Provisória 579, por meio da qual as concessões de geração e transmissão foram renovadas de forma antecipada em troca de receitas mais baixas. A proposta atingiu fortemente os ganhos da Eletrobrás. A MP mudou o regime de contrato da energia de suas usinas, antes por preços livres, para o modelo de cotas, que cobrem apenas custos de operação e manutenção. Como nem todas as empresas aceitaram essas condições, para manter a promessa, a União teve de fazer aportes bilionários para manter as tarifas baixas nos anos seguintes. Em 2015, no entanto, esses repasses foram encerrados. Esse fator, com uma seca severa que reduziu a geração das hidrelétricas por vários anos, gerou um tarifaço de 50%.
Agora, com a MP de privatização da Eletrobrás, o governo quer justamente "descotizar" essa energia e retomar a prática de preços livres, uma forma de atrair investidores para capitalizar a companhia.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo</b>.