Em São Luís do Maranhão, na Rua Castelinho, Vila Embratel, bem na frente do Prazeres Motel, mora a sambista Patativa, cantora, compositora e frasista impagável.
Palavrão é cana doce na boca de Patativa, tanto que ela é chamada de “Dercy Gonçalves do Maranhão”. Mas isso não tem nada a ver, ela corrige, porque Dercy “era rica e poderosa, e eu sou pobre e negra”.
O nome é Maria do Socorro Silva, mas ela não gosta do nome, prefere sempre Patativa. Desde os 20 anos, anda com um galho de arruda atrás da orelha para quebrar o mau-olhado, a inveja. Nasceu na mesma cidade de João do Vale, Pedreiras, há 77 anos. E acaba de estrear em disco, com Ninguém É Melhor do Que Eu (Saravá Discos), com direção artística de Zeca Baleiro – e duetos com a famosa Simone em Saudades do Meu Bem-querer e com o mais famoso ainda Zeca Pagodinho na canção Santo Guerreiro.
O disco já trouxe visibilidade para a sambista: ela em breve deve vir cantar no circuito Sesc, em São Paulo (possivelmente em março), e tem convite para ir mostrar seu samba na Austrália. “Um desalinho valioso, quase esquecido, cultivado em rodas de amigos nos becos das feiras de uma São Luís igualmente fora da linha, fora do tempo. Um samba pronto para quem quer levar a alma lavada adiante. Porém um samba guardado”, escreveu Félix Alberto Lima no encarte de seu disco.
Patativa assombra não só por revalidar a figura do sambista malandro, intuitivo, forjado na boemia (na nobre linhagem de Moreira da Silva, Bezerra da Silva e outros), como também por imantar de uma consciência feminista um universo coalhado de significados masculinos. Na opinião da cantora Lena Machado, que gravou Colher de Chá, de Patativa, em seu Samba de Minha Aldeia (2009), a canção Xiri Meu, de Patativa, é um belo afrontamento da lógica do universo machista do samba.
“Sai daí nego indecente/educação Deus não te deu/tu morre de dente seco/mas não pega xiri meu”, canta a sambista, como se afirmasse que a mulher se doa a quem quiser, não a quem a quiser. A voz é curtida, ancestral, parece uma Clementina de Jesus passada na lixa.
Conta a lenda que Patativa tem mais de 200 composições. Não sabe tocar nenhum instrumento. “Até que tive vontade. Mas acho que Deus é que sabe o que faz, porque todo violonista é cachaceiro”, ela diz. Puro gênero, porque ela mesma é chegada numa bicadinha. “Não tô podendo é largar, porque se eu largar morro mais depressa”, ela diz, sobre a bebida.
As letras das composições dela são geralmente curtas, precisas, como se fossem haicais da malandragem. “Não tem outra escolha/Não tem outra escolha/Enquanto existir Jesus no céu/Urubu não come folha.”
“Eu acho que a música quando é curta se torna mais bonita que a compridona, que dá mais dificuldade para o povo gravar na memória, cantar, lembrar. Mas tenho samba comprido também”, explica Patativa. “Agora mesmo morreu o Humberto de Maracanã, que fazia músicas lindas, e era tudo curto e fácil”, acrescenta.
O jornalista e produtor Zema Ribeiro, que trabalhou na divulgação do primeiro show de Patativa em São Luís, no Porto da Gaby, conta que as letras curtas parecem feitas “na medida para que não se percam numa manhã de ressaca, logo após serem compostas”.
Outra coisa curiosa: ela (que é mãe de regueiro, Benedito) nunca nem sequer cogitou em fazer outro gênero que não o samba. “Nunca passou pela minha cabeça. Vem inspiração, eu componho e já sai samba. O samba já nasceu na minha veia.” Sempre amou Jair Rodrigues, seu neguinho preferido, como diz. Mas também Bezerra da Silva, Martinho da Vila, Beth Carvalho e “Zeca Pagodinho nem se fala”. Sonha em participar de uma roda de samba com Zeca em Xerém para ver “se ele é mesmo duro na queda como é a fama dele”.
Zeca Baleiro fez o trabalho de peneirar as canções que entrarão em dois discos: esse que já saiu e outro que está prontinho para sair. Foi ele também quem produziu o primeiro disco do grande sambista maranhense Antonio Vieira, quando este já era octogenário. Assim o de outro veterano, Lopes Bogéa (que morreu durante as gravações de seu disco). É uma geração de ouro do samba maranhense, diferente do carioca por alguns poucos motivos, mas motivos suficientes para destacá-lo como muito particular.
Segundo conta Zema Ribeiro, em meados da década de 1980, os músicos Giordano Mochel, Chico Saldanha e Ubiratan Sousa, os três ainda bem vivos, compositores, lançaram um compacto chamado Velhos Moleques, que trazia uma faixa de cada um dos seguintes compositores, nas suas próprias interpretações: Agostinho Reis, Antonio Vieira, Cristóvão Alô Brasil e Lopes Bogéa.
“Os bambas veteranos aqui quase todos já morreram”, conta Patativa. “Mas o samba carioca é o samba carioca. Não tem ninguém melhor que o carioca. Eu sou imparcial, eu sou assim, tenho que botar os pingos nos is: melhor que o carioca não existe”, ela afirma. Compor, ela diz, é uma espécie de iluminação. “Não sei de onde vem, é uma dádiva, vem aquela coisa na minha cabeça.”
Patativa anda pelo Mercado de São Luís, e não tem quem não a cumprimente e quem ela não moleste com uma pilhéria. É amada em sua terra. Em Pedreiras, conheceu João do Vale, os pais dele, os filhos. “Fui casada com apenas um, mas junto vivi com uma porção. Eu pari oito, mas só me restam três”, conta, sobre a família. Contabiliza ainda três netos e dois bisnetos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.