Variedades

MITsp põe no palco conflitos políticos dos tempos atuais

A curadoria da 2.ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) traz peças que exploram a relação entre duas linguagens artísticas: o teatro e o cinema. Mas o retrato de embates não para por aí. Outro eixo curatorial é formado pela presença de conflitos geopolíticos que marcam os tempos atuais.

Quatro das 12 montagens programadas trazem essa ideia aos palcos paulistanos. São elas A Gaivota, do russo Yuri Butusov, Opus N.º 7, do também russo Dmitry Krymov, Woyzeck, do ucraniano Andriy Zholdak, e a coreografia Arquivo, do israelense Arkadi Zaides. Juntos, os espetáculos tocam em questões referentes aos conflitos entre Israel e Palestina e entre Rússia e Ucrânia.

“Algumas peças não falam do conflito em si”, diz o diretor artístico da mostra, Antônio Araújo. “Mas colocar os diretores russos e o diretor ucraniano juntos, coabitando o mesmo território em São Paulo, dormindo no mesmo hotel, frequentando, possivelmente, os mesmos restaurantes… isso é uma ação política”, diz, frisando o uso da MITsp como um espaço artístico de provocação.

Opus N.º 7 vai ao passado para retratar as consequências da Segunda Guerra Mundial. Dividida em duas partes – Genealogia e Shostakovich -, a peça mostra uma visão do que foi o Holocausto e fala da censura que atingiu o compositor russo Dmitry Shostakovich (1906-1975). “A Segunda Guerra é um momento máximo de tensão da força humana, seja ela física ou moral”, conta o diretor Krymov em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo por e-mail. “É exatamente nesses momentos dramáticos que os artistas tentam explorar a natureza humana”, afirma, explicando a razão de o conflito mundial ser um fato tão utilizado em peças de teatro e filmes.

No espetáculo, Krymov mescla linguagens artísticas, colocando, no palco, imensos bonecos e pianos. Sobre a convivência do teatro com a música e as artes plásticas, o diretor faz metáfora: “É possível atacar alguém com um furador ou com um garfo. Com o garfo dói mais, porque, aí, são várias picadas de uma só vez”.

Responsável pela abertura da MITsp, o Butusov encena A Gaivota. No clássico de Chekhov, os conflitos de um grupo que vive na zona rural da Rússia, na segunda metade do século 19. O jovem Treplev apresenta um espetáculo que causa divergências na opinião pública. Sua mãe, atriz de carreira sólida, o desencoraja a fazer novas encenações. A protagonista do espetáculo, por quem Treplev é apaixonado, tenta, então, a fama em Moscou.

O enredo parece simples, mas custou ao diretor 4h45 (com três intervalos) de espetáculo. “Já dirigi peças curtas”, lembra. “Mas não existe regra para isso.
O espetáculo deve durar quanto exija.” Para ele, o espectador deve se desligar do tempo real ao mesmo tempo em que se dilui no tempo da peça. Butusov defende que, assim como é necessário tempo para ler um livro, o teatro demanda tempo para ser bem compreendido. “Não é um lanchinho do McDonalds para matar a fome.”

O russo diz que escolheu um clássico para expressar seus pensamentos porque eles propõem tarefas árduas ao encenador, além de serem misteriosos e não perdoarem fraquezas. Pode ser que ele divida a opinião com o ucraniano Zholdak, diretor de Woyzeck. Em seu trabalho, ele desconstrói o texto de Georg Büchner para focá-lo na situação da Ucrânia. “Transformei a história de Maria e Woyzeck – a história de amor entre um homem e uma mulher – e a transformei em uma catástrofe mundial”, comenta. Para isso, optou por usar violência em algumas cenas. “Acho melhor ver violência no palco do que na vida real.” Com estreia em 2008, a peça aborda diferenças entre homem e mulher, pobres e ricos, servos e senhores. Segundo Zholdak, a discussão da peça ainda é a mesma, mas agora é mais profunda, no nível de sua intenção: “A ideia de que amor e liberdade não existem para humanos e países”.

Único representante da dança na MITsp, Arkadi Zaides traz Arquivo. A obra retrata de forma clara o conflito entre Palestina e Israel. O coreógrafo usa imagens feitas por voluntários palestinos que documentaram as próprias vidas em áreas de conflito. “É um trabalho difícil, não tem música, muitos vão ter dificuldade. Mas é uma obra que põe o dedo na ferida.”, conclui o curador Antônio Araújo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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