Houve um momento da história do Brasil em que a modernização do País se fazia sentir não só na industrialização acelerada e urbanização desregrada, mas também no vigor social e cultural das grandes capitais, capitaneadas por Rio e São Paulo. Nessa época, o País deixava para trás seu passado colonial e escravagista e hesitava entre o autoritarismo e a afirmação da democracia. Era o Brasil em franco processo de modernização, um momento de efervescência interrompido em 1964 pelo golpe de Estado e pela chegada dos militares ao poder.
Essa transformação abrupta foi captada pelas lentes de grandes fotógrafos brasileiros e estrangeiros. Quatro deles são agora protagonistas da exposição Modernidades Fotográficas – 1940-1964 (Modernité Photographie Brésilienne – 1940-1964), em cartaz na Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, que completa 50 anos e dedica parte de sua programação especial ao Brasil. Baseada em arquivos da Fundação Moreira Salles, a mostra lança luzes sobre os trabalhos de Marcel Gautherot (1910-1996), José Medeiros (1921-1990), Thomaz Farkas (1924-2011) e Hans Gunter Flieg (1923), profissionais que registraram o rápido processo de modernização do Brasil entre o início da Segunda Guerra Mundial e o golpe fatídico.
A exposição, que circula pela Europa, já passou por Berlim e Lisboa e ainda vai a Madri e ao Rio de Janeiro, abriu suas portas na capital francesa em maio e acaba de ser prorrogada até 23 de agosto, graças à afluência de público acima do esperado.
Seu sucesso se deve à força das imagens que revelam um País complexo, multifacetado, que vai da poeira e do concreto de uma Brasília nascente à exuberância da Amazônia. Todos os estereótipos do País estão representados, como o carnaval, o futebol, as praias, a religiosidade. Esses temas foram, são e talvez sejam para sempre sínteses do Brasil aos olhos do mundo. Mas o acento da exposição está naquela que era a nova face da nação, mais industrial, mais urbana, mais conectada – mais moderna.
Tratava-se do choque de uma nação que deixava para trás, enfim, seu passado arcaico e seus vícios de colônia e celebrava uma nova vida econômica, política, cultural e artística, se, no entanto, superar suas contradições e mazelas sociais. “O ponto de partida da exposição é de que não há nenhuma definição única da modernidade que seja capaz de explicar a extensão no fenômeno no Brasil”, explica o curador da mostra, Samuel Titan Jr., coordenador executivo cultural do Instituto Moreira Salles. “No Brasil, a modernidade abrange uma transformação da esfera pública que não é idêntica à da esfera cultural, econômica. É diversa e não responde a um mesmo cronograma.” Entre os 224 trabalhos selecionados, estão retratos de brasileiros, cenas do cotidiano urbano e selvagem, a indústria e a cidade e sua nova identidade moderna, inspirada pelas formas de Le Corbusier, de Bauhaus, de Lucio Costa ou Oscar Niemeyer.
Os “cronistas” escolhidos são o brasileiro José Medeiros, fotógrafo da grande imprensa, Gautherot, modernista francês e militante de esquerda, Farkas, imigrante húngaro vanguardista, e Flieg, judeu-alemão que fugira do nazismo e refugiara-se no Brasil. Com perfis diferentes, os quatro registraram o período pelo jornalismo e pela arte, visitando desde plantas industriais em pleno “progresso” do Brasil litorâneo até as profundezas do interior – um painel que o curador acredita ser um dos retratos possíveis do Brasil pré-regime militar.
Entre as imagens escolhidas estão retratos como Noviça pintada com pontos brancos que aludem a Oxalá, deus da criação, e com a pena vermelha (ekodidé) do ritual de iniciação, fotografada em 1951 por José Medeiros, ou Jangadeiro, captado por Gautherot no Ceará, em 1950. Também estão edificações que sintetizam a modernidade arquitetônica no Brasil, como Palácio do Congresso Nacional em Construção, também de Gautherot, desta vez em 1958, e Fachada Interior do Edifício São Borja, que Farkas flagrou no Rio de Janeiro em 1945. Titan Jr. diz que gostaria de ter incluído na mostra Jean Mazon, Geraldo de Barros, Pierre Verger, German Lorca ou ainda Hildegard Rosenthal, mas que se rendeu à necessidade da escolha, aos limites impostos pelos direitos autorais e ao recorte temporal. Nada que tenha impedido o sucesso de público.