Nos últimos anos, o dinamarquês Nicolas Winding Refn virou um dos escolhidos de Cannes. O maior festival do mundo cria essas figuras icônicas – Quentin Tarantino, Lars Von Trier (antes de ser demonizado, e excluído). Winding Refn teve praticamente toda a sua obra apresentada na Croisette. Com Drive, estrelado por Ryan Gosling, houve o estouro. Depois disso foi chamado a apresentar A Dança da Realidade, de um de seus autores preferidos – Alejandro Jodorowsky -, na Quinzena dos Realizadores, em 2013. Este ano apresentou Terror no Espaço, de Mario Bava, em Cannes Classics.
Winding Refn gera sempre ruído em Cannes. Integrou a competição de 2016 com Neon Demon, Demônio de Neon, que estreou na quinta-feira, 29. O começo é emblemático – pegar ou largar. Muita música, colorido fake, uma mulher bela, trucidada num sofá. Sangue, rios de sangue. Cannes recebeu mal o filme, em termos. Recepção fria. Na sua edição seguinte, que todo ano chama de “Retour de Cannes, o retorno de Cannes, a prestigiada revista Cahiers du Cinéma não deixou por menos. Cinco páginas, elogios superlativos – o melhor filme do autor -, e um puxão de orelhas para a crítica, que, num evento desses, raramente tem abertura para o cinema de gênero.
Num encontro com um pequeno grupo de jornalistas, Winding Refn, completamente estiloso – paletó e camisa social, bermuda colorida e chinelo de dedo -, explicou a gênese do filme. “Nasceu de uma combinação de fatores. Há muito queria fazer um filme de gênero, de horror, mas não encontrava a forma. Quando recorria aos elementos do gênero, não via como explicá-los para mim mesmo. Havia filmado Only God Forgives, Só Deus Perdoa, no Oriente. Minha mulher, que foi comigo, foi muito clara dizendo que, fora da Dinamarca, só conseguiria viver em Los Angeles.
Tinha aí um ponto interessante. Vivo cercado de mulheres – minha mulher, minha filha. Ela tem 12 anos, vive mergulhada no universo das redes sociais, onde o falso vira verdadeiro e há uma atração muito grande pelo bizarro, o horror. Tenho feito muitos clipes de moda. Some-se tudo isso e o resultado foi Demônio de Neon.”
Garota chega a Los Angeles e triunfa no mundo da moda. Elle Fanning é quem faz o papel. “Precisava de alguém que, sendo muito bela, fosse também ingênua, ou passasse essa impressão, mas com um pouco de malícia, para tornar a perversão palpável”, explica o diretor. O triunfo de Elle – a personagem chama-se Jesse – provoca ciúmes. Coloca em discussão o próprio conceito de beleza. Ela é “natural”. Suas duas concorrentes mais fortes são “fakes”, retocadas com cirurgias e tratamentos diversos. Uma terceira concorrente, natural como Jesse, envelheceu, e a idade é cruel nesse meio. Todas se unem contra Jesse. Devoram-na, literalmente.
Jesse, que a cidade grande comeu. Winding Refn, de alguma forma, criou seu manifesto antropofágico para refletir sobre o conceito de “beleza” no Ocidente. Em Cannes, ele brincou com os jornalistas por ser metafórico, mas não explícito – “Quem quiser ver comer carne humana sintonize na TV. Para isso, existe Walking Dead.” O filme é completamente estilizado. Ruídos, ou ruínas, de pós-modernidade. Detalhe curioso. O diretor disse que precisa sempre trabalhar com referências musicais. “Em Drive, era Kraftwerk. O country, em Only God. E, aqui, (Giorgio) Moroder.” Estamos falando de referência. A trilha de Demônio de Neon é de Cliff Martinez.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.