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Nova edição de ‘Os Sertões’ traz as emendas que abrasileiraram o texto

Com a peça Ubu Rei, encenada pela primeira vez em 1896, o jovem escritor francês Alfred Jarry (1873-1907) impressionou público e crítica ao satirizar a prepotência do método de ensino daquele século 19 por meio de uma história marcada pela revolta contra a família, os pais, a escola e os professores – na verdade, era a revolta contemporânea contra a tradicional civilização europeia. Apropriando-se do título da obra de Jarry e com idêntica intenção de chacoalhar o mercado editorial nesse período de crise, a Ubu editora independente abre suas portas com uma portentosa edição do clássico Os Sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), uma coedição com o Sesc que já está disponível nas livrarias e sites de compras.

Não se trata de uma mera reedição – com o texto de Euclides estabelecido por uma especialista na obra (a professora de Teoria Literária e Literatura Comparada Walnice Nogueira Galvão), o volume conta ainda com uma extensa fortuna crítica, além da reprodução das cadernetas de campo do escritor e de um conjunto de imagens de Flávio de Barros, único registro fotográfico conhecido do conflito.

Um dos marcos fundamentais nos estudos sobre a formação brasileira, Os Sertões foi publicado em 1902 e é a consolidação e aprimoramento da cobertura jornalística do levante de Canudos, que Euclides realizou para o jornal “O Estado de S. Paulo”, a pedido de Julio Mesquita. Empoleirado no lombo de um cavalo ou comprimido no tombadilho de um navio, nada parecia ser empecilho para o escritor, que deixou a capital paulista no dia 1.º de agosto de 1897. Outros correspondentes já acompanhavam as infrutíferas tentativas do exército de derrotar os seguidores de Antônio Conselheiro, no interior da Bahia, e Euclides destacava-se como o escolhido natural para representar o jornal: colaborador havia nove anos, o escritor publicara, nos dias 14 de março e 17 de julho daquele ano, dois artigos com o título comum de A nossa Vendéia.

No período em que cobriu o levante, Euclides passou por um verdadeiro rito de passagem: se quando deixou São Paulo estava seguro da natureza monarquista da rebelião em Canudos, o escritor (republicano convicto) foi obrigado a reformular seu julgamento, forçado pelas contingências. Diante de famílias reunidas em torno de um líder messiânico, Euclides percebeu que o movimento estava próximo de um massacre. Com uma prosa poética em meio a textos técnicos – engenheiro de formação, Euclides sonhava com uma linguagem que unisse arte e ciência -, Os Sertões antecipa temas que norteariam o modernismo, especialmente a incorporação do ponto de vista local, por meio de uma linguagem deslumbrante e repleta de contrastes.

E, curiosamente, com o passar do tempo, a obra se tornou cada vez mais admirada especialmente pelo aspecto estilístico e não tanto pela análise científica. Afinal, enquanto suas observações científicas foram, aos poucos, ultrapassadas, a força de sua prosa é cada vez mais valorizada, reconhecimento que começou com Monteiro Lobato, impressionado com a escrita de Euclides.

Isso é facilmente notável em Variantes e Comentários, volume em que Walnice Nogueira Galvão faz uma análise minuciosa das edições publicadas em vida por Euclides – ele bancou, por exemplo, as primeiras versões. Walnice mostra como o escritor fez modificações gráficas e ortográficas, chegando inclusive a corrigir de próprio punho diversos exemplares, com marcas a caneta e até raspagem de páginas com canivete.

A partir dessas mudanças, a pesquisadora mostra como o escritor promoveu uma evolução no texto de Os Sertões. “Mal sabiam os modernistas que, em Euclides, contavam com um abridor de caminhos”, observa Walnice, em texto publicado no volume. “As numerosas emendas a que submeteu as sucessivas edições de Os Sertões, enquanto viveu, apontam para um progressivo abrasileiramento do discurso.”

É importante notar que, enquanto a edição crítica de Os Sertões está à venda em todas as livrarias, o volume Variantes e Comentários só será vendido junto com essa edição crítica, compondo uma caixa que terá edição de 1 mil exemplares e que será comercializada exclusivamente nas lojas da Livraria Cultura. “A caixa vai agradar especialmente aos estudiosos de trabalhos comparativos”, comenta Florencia Ferrari, diretora editorial da Ubu. Assim como a diretora de arte Elaine Ramos, ela é egressa da Cosac Naify e as duas fundaram a Ubu ao lado de Gisela Gasparian, atual diretora de operações.

Os Sertões é um dos primeiros lançamentos da Ubu, que conta ainda com 35 títulos comprados da Cosac. Logo serão lançados O Supermacho, de Alfred Jarry, com uma tradução revisada de Paulo Leminski, e um infantil de Antonio Prata, Jacaré, Não!.

OS SERTÕES
Autor: Euclides da Cunha
Edição crítica: Walnice Nogueira Galvão
Editoras: Ubu, Sesc (704 págs., R$ 149)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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