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Quatro Estações em Havana é trama detetivesca noir com o calor dos trópicos

Leonardo Padura ainda não conseguiu assistir aos quatro episódios da cinessérie Quatro Estações em Havana, adaptação da tetralogia de livros responsáveis por retratar a vida do detetive Mario Conde ao longo do ano de 1989, em Havana. Cubano e residente na ilha que recentemente perdeu sua mais importante figura política, Fidel Castro, o escritor e roteirista da obra, disponível na Netflix desde o início de dezembro, teve a oportunidade de assistir a dois deles enquanto esteve na Espanha, recentemente. Conferir a outra metade lhe foi impedida pelo próprio regime cubano. A Netflix, como tantos outros sites e aplicativos, é proibida na ilha caribenha.

Figura capaz de colocar em palavras o calor úmido de Cuba, o passado e presente entrelaçados pela arquitetura colonialista e pela abertura ainda parcial com o restante do mundo, e seus personagens únicos, Padura trata o percalço de ser incapaz de assistir à adaptação da própria obra – cujos roteiros são assinados por ele e pela esposa Lucía López Coll – com humor. Acostumado a retratar o submundo de Havana, o escritor conta com ele para ter o problema resolvido. “Por incrível que pareça, só assisti a dois filmes”, ele escreve, em entrevista complementar ao Estado, por e-mail. “Sem acesso ao Netflix, não foi possível vê-los aqui. Mas confio que logo esses filmes serão pirateados e poderei vê-los em Cuba.”

Nada mais contemporâneo sobre Cuba do que essa constatação de Padura. A Cuba de hoje convive com questões sobre o futuro após a morte de Castro, mesmo que o líder já houvesse passado o poder para o irmão Raul há tempos. A ilha recebeu o presidente norte-americano Barack Obama e a banda de rock inglesa Rolling Stones neste 2016 e flerta com uma abertura maior ao restante do planeta. Lá dentro, as pequenas ilegalidades, como a pirataria das séries da Netflix e discos de rock, são banais. O flerte com o que há do outro lado do mar azul do Caribe está por todas as partes na Cuba de hoje.

Mas Quatro Estações em Havana não se passa em 2016. A série, uma produção da TVE espanhola, volta ao ano de 1989, quando a União Soviética, braço que sustentava o sistema político cubano, se esfacelava com as revoluções dos Estados comunistas no Leste Europeu. 1989, o ano que marcou a queda do muro de Berlim. Cuba, mesmo isolada do restante do mundo pelo bloqueio promovido pelos Estados Unidos, sentia as reverberações da instabilidade política global.

É nesse contexto que surge Mario Conde, personagem interpretado por Jorge Perugorría, um investigador de polícia com ânsias de se tornar escritor – o que, numa rápida análise psicológica, é uma projeção do próprio autor, um jornalista que sonhava em escrever histórias que lhe vinham à mente.

Por isso, o Conde, para Padura, não tem rosto. “É difícil explicar como vejo Conde”, diz o escritor, ao comparar o cubano Perugorría com a sua criação. “Há algo importante nesse ponto: embora eu descreva quase todos os personagens desses romances, nunca digo como é Conde – se é mais claro ou mais moreno, mais alto ou mais baixo. Isso permitiu que cada leitor pudesse projetar mentalmente seu Mario Conde.”

Padura revela que pelo menos dez outros produtores o chamaram para tentar dar vida às histórias da tetralogia em séries ou filmes, até a chegada do espanhol Gerardo Herrero, da Tornasol Films, que, enfim, transformou o projeto em algo viável. O nome de Perugorría, curiosamente, foi citado por alguns diretores como um bom candidato para viver Conde em carne e osso nas telas. O próprio Perugorría passou a sonhar com essa possibilidade. “Quando finalmente chegou a oportunidade (de interpretar o personagem), ele assumiu o papel em profundidade, a partir de sua experiência de vida, da geração que compartilha e de sua enorme capacidade de ator. Acho que Perugorría é um excelente Mario Conde, com muitos matizes – sua tristeza, sua ironia, seu desencanto -, e uma cubanidade essencial e muito expressiva.”

Nos livros, Havana, com seus traficantes, prostitutas, drogas e sujeira, é a real protagonista da história de Quatro Estações. Na tela, a direção do espanhol Félix Viscarret tenta emular a mesma sensação claustrofóbica da capital da ilha com imagens da cidade, principalmente durante a noite. São longas tomadas que mostram prédios sobrepostos e o céu caribenho.

Conde ganha um óbvio destaque na tela, mas a Havana contada nas palavras de Padura sobrevive nas miudezas e detalhes. A série ganha ao ser gravada em Havana, nas texturas e no suor escondido dos atores pelos assistentes de maquiagem. É na fumaça dos cigarros fumados aos montes por Conde, contudo, que a Havana se escancara. No calor abafado, a fumaça ali fica, quase estática. É assim na Havana real, na Havana de Padura e na Havana na tela. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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