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Jonathan Safran Foer volta à ficção e trata das fissuras do

Em uma das mais conhecidas passagens do livro do Gênesis, Deus, disposto a testar a fé de Abraão, ordena que ele sacrifique o próprio filho. “Aqui estou”, responde Abraão, comprovando sua indestrutível fidelidade. Aqui Estou é também o título do terceiro romance do americano Jonathan Safran Foer, que chega agora às livrarias, pela editora Rocco. Aos 40 anos, ele ainda é apontado como um dos grandes escritores surgidos no início do século 21 – segundo o Village Voice, Foer é uma espécie nova de guerreiro literário: virtuosístico, visionário, engenhoso, hilário, comovente.

Publicado em 2016 nos Estados Unidos, Aqui Estou foi considerado um dos melhores lançamentos do ano passado pela crítica americana e interrompeu um longo silêncio – fazia 11 anos desde a publicação de sua ficção anterior, Extremamente Alto & Incrivelmente Perto (no meio do caminho, Foer lançou Comer Animais (2010), visão crítica sobre o consumo de carne vermelha.

O tempo, no entanto, foi benéfico para decantar a poderosa trama do romance, que trata dos conflitos que rodeiam deveres – paternos, sociais, globais. A trama narra a história de quatro gerações de pais e filhos, acompanhando basicamente o casal Bloch, Jacob e Julia, que vive em Washington com os três filhos. A narrativa começa quando Jacob e Julia são chamados para uma reunião com o rabino da escola onde estuda seu filho Sam – ele é acusado de ter escrito frases racistas em um papel encontrado em sua carteira escolar. Prova, aliás, insustentável.

O garoto vive assolado por dúvidas, a começar sobre sua indisposição de celebrar o bar mitzvah, cerimônia que insere um jovem como um membro maduro da comunidade judaica – um desejo do avô. Trata-se do primeiro estilhaço de uma bomba ainda por explodir, detonada quando for descoberto um celular secreto com uma torrente de mensagens sexuais, que vai determinar o divórcio do casal.

A fragmentação sobrevoa a trama de Aqui Estou, seja a familiar e de uma sociedade, seja a de nações e suas relações políticas – em meio ao caos particular instaurado entre os Bloch, eles sofrem, como todos judeus, com um terremoto que destrói Israel. Ao mesmo tempo, como é comum entre os seres humanos, o livro é também a história de pessoas que buscam personalidades integradas e vidas menos divididas – mesmo quando, para isso, alguma destruição seja necessária.

Sobre o romance, Foer (que tem familiares vivendo em São Paulo) conversou por telefone com a reportagem, desde Nova York.

Por que um período tão longo até publicar novamente um romance?

A resposta, creio, vale para qualquer escritor: não tinha encontrado um assunto que me interessasse. Além disso, nesse período, nasceram meus dois filhos e também me dediquei durante três anos em pesquisas para escrever Comer Animais. Espero que não demore muito até chegar o próximo – já rascunho algumas ideias, mas não tenho pressa.

Você disse que considera seu primeiro livro, Tudo se Ilumina, como uma experiência. E o segundo, Extremamente Alto & Incrivelmente Perto, como uma resposta ao primeiro. Como classifica Aqui Estou?

Creio que os dois primeiros romances apresentam personagens fortes, que impuseram narradores em primeira pessoa. Agora, são questões emocionais, políticas, familiares. Não diria que é um livro autobiográfico, apesar da presença de diversas questões pessoais presentes na trama – mas, não se trata apenas de encarar a literatura pela literatura. É algo mais profundo.

Você diria, então, que escrever sobre suas tradições permitiu explorar questões mais abrangentes?

De uma certa forma, sim. Aqui Estou é, para mim, um romance sobre dores, família, sobre escolhas. Pessoas que necessitam consertar suas vidas, mesmo que isso imponha um fim para alguma coisa. Por fim, é também um romance sobre como ser pai…

…Especialmente na cultura judaica? Pergunto isso porque um dos personagens do livro observa: “É mais difícil ser judeu – não sobram muitas chances”.

Sim, concordo. Como já disse antes, o livro seria uma espécie de resposta – talvez a melhor – para essa questão levantada pelo personagem. Veja bem, não pretendi oferecer uma única perspectiva tampouco é um livro que pretenda avançar em determinado tipo de questionamento religioso. Não me espelho em nenhum dos personagens, portanto, não se trata de uma obra autobiográfica ou mesmo catártica.

Desculpe insistir no assunto, mas você já enfrentou algum tipo de crise provocada por sua relação com o judaísmo?

Sim, o tempo todo. Mas não vejo isso como um problema. Já me acusei de manter uma relação superficial com o judaísmo, mas não acredito que seja algo condenável. Creio que o fato de se reconhecer isso provoca uma necessidade de ter mais profundidade. Sempre que sou questionado sobre esse assunto, gosto de lembrar de uma passagem envolvendo (o filósofo e teólogo) Franz Rosenzweig: questionado sobre se era religioso, ele respondeu: “Ainda não”. Essas duas palavras tanto revelam um fracasso atual, como transparecem uma promessa de dedicação, um exemplo de otimismo declarado. É uma confissão de humildade, mas também de esperança. Gosto tanto dessa resposta que quase intitulei o romance de “ainda não”.

Por falar nisso, Aqui Estou é, além da famosa expressão colhida no livro do Gênesis, também a forma como Leonard Cohen abriu seu último álbum, no qual ele utiliza a palavra hebraica “hineni”, que pode ser traduzida como “aqui estou”. O que essa expressão significa para você?

Para mim, é algo simples: significa viver o momento presente como uma pessoa integrada na sua sociedade, na sua família, mesmo que durante uma crise. Acho que é o que passa pela cabeça de Jacob, Julie, Sam e outros personagens, todos em busca de um melhor viver. É dessa forma que eles se apresentam.

Você já antecipou o que pergunto agora: quem, de fato, incorpora a expressão “aqui estou” no romance? As últimas palavras da história são ditas por Jacob que, ao levar o cachorro Argos ao veterinário, busca incentivar o animal, mas, na verdade, ele está incentivando a si mesmo: “A vida é preciosa e eu vivo no mundo”, ele reflete, até dizer ao veterinário: “Estou pronto”.

Essa é uma leitura possível e interessante. Há quem também aponte Sam por ser um garoto de 13 anos, que descobre aos poucos a hipocrisia ao seu redor – afinal, Sam convive com pais que tentam lhe impor regras religiosas que eles mesmos só praticam quando convém. A superficialidade de sua identidade religiosa é óbvia. E isso pode parecer trivial para os adultos, mas não para um garoto que usa óculos para descobrir o mundo.

AQUI ESTOU
Autor: Jonathan
Safran Foer Tradução: Daniel Pellizzari e Maíra Mendes Galvão
Editora: Rocco
(592 págs., R$ 69,50 versão impressa; R$ 29,50 e-book)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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